São Paulo, domingo, 3 de dezembro de 1995
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"Casei com mulher, prefiro homem"

ARMANDO ANTENORE

"Mulher exige que você seja macho, pai e marido. Homem não. Deseja apenas estar com você"
Paulo, 33, comerciante
Quando Rodrigo se aproximou de nossa mesa, senti uma estranha curiosidade, uma vontade inusitada de conhecê-lo melhor. Estávamos no barzinho de sempre, em Sorocaba (SP). Eu e Míriam, minha mulher.
Rodrigo se sentou sem muita cerimônia. Simpático, puxou papo. Logo de cara, percebemos que era gay. Ele disse que estudava agronomia e que costumava nos ver por ali. Já há alguns meses queria conversar, mas só agora criara coragem.
Ficamos amigos. Passamos a nos encontrar uma vez por semana, os três, ora naquele barzinho, ora em casa. Tínhamos um relacionamento ameno. Falávamos sobre banalidades, jantávamos, ríamos bastante.
Não sei exatamente por que, mas de repente me peguei desejando Rodrigo. Desejo físico, como o que sentia por Míriam.
Levei um susto. Tinha 26 anos e, até aquele momento, nunca imaginara transar com homem. Na verdade, antes de me casar, fazia o gênero garanhão.
Colecionava namoradas e pôsteres da "Playboy". Saía com todo tipo de mulher -prostitutas, meninas de família, garotas liberais. E trepava em qualquer lugar: terrenos baldios, construções abandonadas, esquinas escuras.
Gostava de apregoar que sexo não tinha segredos para mim. A atração por Rodrigo -inteiramente nova e misteriosa- me fez mudar de idéia.
Um dia, estava sozinho em casa e ele apareceu. Notou meu desconforto, mas não recuou. Paciente e carinhoso, me convenceu a ceder.
Na hora, foi tão bom quanto as transas com mulheres. Depois, achei que iria enlouquecer. Tive a sensação de estar alimentando um monstro que, mais tarde, me devoraria.
Não contei nada para Míriam. Apenas comecei a sugerir que mudássemos de cidade. Queria distância do Rodrigo. Também evitava encarar meu pai e meus dois irmãos. Sentia-me torto, errado, sujo.
Com o tempo, Míriam percebeu minha aflição e me encostou na parede. Não precisei contar a verdade -ela já sabia. "Intuição feminina", me disse. Em poucos meses, nos separamos. Sofri muito. Gostava dela e sonhava ter filhos, formar uma família.
Mesmo abatido, resolvi me reaproximar de Rodrigo. Pensei: "Estou no inferno, melhor abraçar o diabo."
Hoje, sou predominantemente homossexual. Frequento bares e boates gays. Meu relacionamento com Rodrigo acabou. Nem por isso voltei a procurar Míriam ou outras garotas. Quando pinta, até transo -mas não é nada que me empolgue.
Entendi que prefiro os homens. Sexualmente, eles me atraem tanto quanto as mulheres. Só que fazem menos cobranças.
Com mulher, você tem que ser macho, pai e marido, precisa protegê-la, dar atenção. Homem não. Deseja apenas estar com você, sem maiores questionamentos, sem querer te modificar. Agora sei que é possível haver comunhão de alma entre dois homens. Entre um homem e uma mulher, acho difícil.

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