São Paulo, domingo, 3 de dezembro de 1995
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"Não consegui transar durante cinco anos"

ARMANDO ANTENORE

"Ela dizia: Guilherme, querido, na vida você precisa brigar. Mas brigar contra quem, eu me perguntava em silêncio"
Guilherme, 50, engenheiro
Eram comentários curtos, que ela jogava no ar de vez em quando, como quem não quer nada. Talvez não quisesse mesmo. Talvez falasse por falar. Mas aquilo me incomodava profundamente.
Vira-e-mexe, numa roda de amigos, ela dizia: Guilherme ganha bem, três vezes mais do que eu. Só que, sem a ajuda do meu salário, dificilmente manteríamos nosso padrão de vida.
Outras noites, no quarto, abraçadinhos, ela lembrava: você viu, Guilherme? O marido da Fulana vai viajar de novo para os Estados Unidos. Viagem de negócios. A terceira em menos de um ano. Fico pensando... Ele tem a mesma profissão que você, mas viaja muito mais. Alguma vez já te mandaram a trabalho para o exterior?
Parecia provocação, não fosse o tom extremamente cordial. Ela falava sempre com a voz mansa, sem arrogância. Fazia os comentários e depois me dava uns beijinhos, mudava de assunto. Eu ficava confuso. O que ela quer dizer? Está procurando briga? Devo reagir? Na dúvida, não reagia.
Casados há quase 15 anos, conseguíamos dar bastante conforto para nossos dois filhos. Não precisávamos nos preocupar com questões financeiras. Eu, engenheiro, tinha cargo de chefia numa multinacional. Ela, advogada, conquistara boa clientela em São Paulo.
Quando nos conhecemos, já era uma mulher de personalidade forte, decidida, cheia de vontades. Meu bem, faça isso. Amor, faça aquilo. Se eu não fizesse, ela emburrava. Me sentia como um pião à sua volta, completamente hipnotizado, tentando agradá-la.
O tempo passou e ela mudou um pouco. Ficou menos impositiva. Trocou o faça isso, faça aquilo pelos comentários com voz de veludo. Guilherme, querido, aprenda uma coisa: na vida, você precisa brigar. Mas brigar contra quem, eu me perguntava em silêncio.
Um dia, veio o pânico. Comecei a ter medo de tomar decisões em casa, qualquer decisão. Está sobrando um dinheirinho, colocamos na poupança ou compramos um carro? Amanhã é sábado, o que você acha de pegarmos uma praia? E eu, barba na cara, marmanjo de 43 anos, acostumado a segurar os maiores rojões profissionais, ficava inseguro para responder. Hesitava, fingia não ouvir e ela decidia por mim.
A tragédia veio logo depois. Estávamos nas carícias preliminares, me sentia excitado, mas não consegui. Falhei. Meu pinto simplesmente não atendeu o chamado. A voz de veludo entrou em ação: relaxa, Guilherme, acontece, juro que não ligo, a gente tenta de novo mais tarde.
Tentamos. E nada. Foi assim durante cinco anos. Não transava em casa nem na rua. Tinha medo de falhar também com as outras mulheres.
Sofria absolutamente calado. Por inibição, não procurava médicos nem psicólogos. Pensava, às vezes, em me abrir com amigos. Mas, na hora h, recuava. Eles viviam alardeando que seduziam a cidade inteira. Como eu iria lhes contar que não podia mais trepar?
Também me fechei com minha mulher. Mal conversávamos sobre o assunto. Ela ficou num canto, eu em outro. Eu precisando de afeto, ela se afastando. Uma noite, me disse que queria se separar.
Foi um baque. Não sei por que, mas a separação nunca me passara pela cabeça -embora, àquela altura, meus problemas sexuais já durassem quatro anos.
Fiquei desnorteado, emagreci cinco quilos, não conseguia trabalhar. Resolvi, então, procurar um urologista. Fiz uma bateria de exames e constatei que não tinha nenhum distúrbio físico. Precisava de ajuda psicológica. Corri atrás.
Nos primeiros seis meses de terapia, continuei morando com minha mulher, ainda sem transar. Até que ela perdeu a paciência e praticamente colocou minhas malas fora de casa. Covarde, diminuído, não perguntei se saía com outro homem.
Estamos separados há dois anos. Mal a vejo, mas temos um relacionamento cordial. Meus filhos moram com ela e me visitam sempre.
Só três meses depois da separação, arranjei coragem para procurar outra mulher. Foi um fiasco. Tentei uma segunda vez, de novo sem sucesso. Na terceira, finalmente consegui.
Hoje, tenho uma namorada 14 anos mais nova. Me sinto bem. Precisei atravessar o inferno para entender que não posso controlar tudo.
Antes, quando transava, não me preocupava com meu próprio prazer. Enxergava apenas o prazer da parceira. Se ela gozasse, estava bom para mim porque me julgava inteiramente responsável por sua felicidade.
Longe da cama, prevalecia a mesma lógica. Eu tinha que ser o todo-poderoso. Quando achava que estavam questionando meu poder, perdia o rumo e me acovardava.
Agora, vou mais devagar. Procuro levar a vida com leveza. Não sou Deus nem máquina. Se estou inseguro, digo. Se quero carinho, peço. Quase sempre, funciona.

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