São Paulo, segunda-feira, 4 de dezembro de 1995
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Cinema brasileiro é terra desconhecida

Pouco se sabe da produção nacional

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Pouca surpresa trouxe a lista dos principais filmes brasileiros, segundo 25 críticos, publicada no encarte "100 Anos de Cinema" da Folha.
"Limite", "Deus e o Diabo na Terra do Sol" e "Vidas Secas" são os eternos favoritos deste tipo de levantamento. A década de sessenta emplacou o maior número de escolhidos (dez, devido aos vários empates), Glauber Rocha e Nélson Pereira dos Santos posicionaram cada qual dois filmes.
A novidade foi a presença ao lado deles, no Olimpo da produção nacional, de Roberto Santos (1928-1987), com "O Grande Momento" e "A Hora e a Vez de Augusto Matraga". Já não era sem tempo: começa-se a reconhecer a solidez da filmografia de um dos mestres do moderno cinema brasileiro.
A excessiva, diria até obsessiva, monopolização das atenções pela geração do Cinema Novo ofuscou nas últimas décadas as contribuições ao filme nacional simultâneas mas externas ao movimento.
É o caso de Roberto Santos, sobre quem esperamos ansiosamente o estudo de Inimá Simões, assim como é o de Luiz Sérgio Person (1936-76), cujo "São Paulo S/A" aparece timidamente na sexta posição.
Tampouco se examinou detidamente a obra de Anselmo Duarte, que tem "O Pagador de Promessas" na lista, ou a época áurea de Walter Hugo Khouri, cujo "Noite Vazia" lá bem poderia estar.
Cumpre reconhecer: o cinema brasileiro é terra desconhecida. 70 anos de crítica jornalística digna do nome, e cerca de metade disso de estudos acadêmicos, ainda estão longe de iluminar a produção nacional.
A chegada do filme ao país é ainda nebulosa. O cinema mudo desapareceu, renascendo apenas fugidiamente em alguns estudos de casos regionais.
Quanto a dois dos primeiros cineastas reconhecidos como autores, Humberto Mauro e Mário Peixoto, o primeiro tem apenas a fase inicial de sua obra realmente codificada, e o segundo permanece uma esfinge a desafiar a crítica (Saulo Pereira de Mello é nossa esperança).
As chanchadas mereceram de Sérgio Augusto o primeiro estudo de maior peso apenas nos anos 80.
A Vera Cruz e as tentativas industriais de cinema na SP dos anos 50 tiveram sua crônica levantada, mas quando constatamos que, ao contrário da lenda, "O Cangaceiro" de Lima Barreto deve tudo aos melodramas sociais do mexicano Emílio Fernandez, e não ao westerns americanos (como aliás Almeida Salles já apontava a dívida, no calor da hora, para esquecimento posterior), tudo parece por estudar.
Falta uma história até do Cinema Novo, Glauber permanece incompreendido (Cavalcanti, o outro gigante, idem), o cinema experimental extra-Sganzerla-Bressane continua esnobado (de Tonacci e Omar aos trabalhos mais próximos às artes plásticas), a era Embrafilme é tabu, o documentário e o curta-metragem ainda estão barrados da grande festa. Segue-se um longo etc. Às vésperas do centenário do cinema no Brasil (julho de 96), há tudo a fazer. Nada mais desafiador.

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