São Paulo, segunda-feira, 4 de dezembro de 1995 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Cultura apresenta Cervantes e negritude
ESTHER HAMBURGER
Mas a julgar pelos momentos iniciais de "Don Quixote", este não é o caso dessa série, que promete pouco interesse. O ritmo lento e a pretensão cinematográfica não chegam a ganhar densidade dramática. O narrador muitas vezes repete a informação já sugerida pela interpretação dos atores, que por sua vez é literal demais, prejudicando a identificação com o filme. A minissérie parece estar aquém do romance clássico de Cervantes. Apesar dos sempre intrigantes moinhos de vento. "Dom Quixote" substitui no horário temático, a seleção de documentários fortes sobre relações raciais, com os quais a TV Cultura homenageou Zumbi. Utilizando formatos clássicos de documentários televisivos à la BBC, ou optando por uma abordagem mais subjetiva, esses filmes enfrentam a espinhosa tarefa de falar sobre algo que no Brasil, de tão dolorido, é quase impronunciável. O interesse dos trabalhos exibidos, sugere que o tema merece mais do que o espaço dedicado a uma efeméride. A objetividade sul-africana de "Apartheid", produzido pela La Sept francesa, choca. E traz informações para uma comparação fascinante entre o Brasil e aquele país. A frieza da afirmação do direito à defesa da identidade branca, traduzida em leis que proíbem sexo, casamento, moradia inter-racial é representada de maneira linear e coerente. Um narrador em off alinhava uma cronologia ilustrada por imagens de inúmeros massacres de multidões de negros. As datas e os fatos falam por si. Mas fica sempre a impressão de que as imagens carregam mais informação do que a narração é capaz de captar. O movimento coordenado de corpos, lembrando exércitos tribais e o ritmo do batuque insistente, sugerem marcas das culturas locais. Já "Ori", dirigido por Hermano Penna, traz uma intrigante construção pessoal, narrada de maneira extremamente subjetiva por Beatriz Nascimento. Filosofia Bantu, busca o significado da nação e do Quilombo. Nação que não precisa ser territorial. Pode ser espiritual e até pessoal. Espaço interior de conquista de uma identidade negra que não se desprende da terra, da África, de São Paulo, da quadra da Vai-Vai. Para não falar do premiado "O Fio da Memória", de Eduardo Coutinho que merece ser reexibido. A diversidade desses vídeos explora várias possibilidades de representação das relações raciais abertas com o questionamento da democracia racial. Trata-se de romper a invisibilidade a que foi relegada a cor em um país teoricamente sem preconceitos. Expressam o desejo de escancarar a diferença de cor orgulhosamente inscrita nos corpos em movimento, nos penteados e na moda. Texto Anterior: Como rodar o CD-ROM Próximo Texto: Bridget Fonda faz 'Assassina' ter vida Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |