São Paulo, terça-feira, 5 de dezembro de 1995
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Câncer de próstata: A cirurgia e as estatísticas

AFIZ SADÍ

Há algum tempo atrás, nesta coluna, emiti minha opinião pessoal acerca das controvérsias existentes quanto ao uso da prostatectomia radical para o tratamento do câncer da próstata, principalmente para homens idosos. Nem todos concordam com as minhas posições, o que é válido posto que esse é um aspecto mundialmente debatido.
Todavia não posso permitir que estatísticas parciais sejam apresentadas no sentido de autopromoção, fazendo parecer despreparados ou antiquados aqueles que questionam o uso indiscriminado desses procedimentos. Por esse motivo, sinto-me na obrigação de alertar os leitores dessa coluna sobre os problemas que existem sobre a eficácia da cirurgia radical e as dúvidas que ainda persistem com o tratamento do câncer de próstata, lembrando que esse é um aspecto extremamente atual.
A cirurgia, no meu entender, somente terá indicação nos indivíduos jovens cujos cânceres diagnosticados precocemente se situam dentro da glândula prostática e com características biológicas potencialmente agressivas. Há comprovação de que pelo menos 30% dos homens acima dos 50 anos e que morrem de causas não urológicas têm câncer da sua próstata.
Isso demonstra que ele é muito comum e não necessariamente causa a morte do seu hospedeiro. Existem pelo menos dois grupos de pacientes com câncer da próstata: aqueles com tumores agressivos, que representam 20% dos casos, e os restantes (80%) com tumores mais lentos.
A questão colocada no meu artigo inicial foi que o tratamento cirúrgico, em geral, é ineficaz para os tumores agressivos, como está amplamente demonstrado na literatura urológica especializada e, questiona-se hoje, se a cirurgia é realmente necessária para todos os demais casos.
Aqui estão alguns fatos: 1) Os estudos dos drs. George (Inglaterra, 1988), Whitmore (EUA, 1991/93), Adolfsson (1991/93) e Johansson (1992) na Suécia, demonstraram que 35% dos pacientes com câncer da próstata, cujo tratamento foi expectante, ou seja, não foram submetidos a cirurgia e eventualmente usaram hormônios, estavam vivos após dez anos. Chodak (1994) confirmou esses dados demonstrando que 87% dos homens com tumores biologicamente pouco agressivos estavam vivos após dez anos.
Assim, quando alguém refere que 90% dos seus casos cirúrgicos estão vivos após dez anos, esses resultados devem ser vistos com cautela, pois essa sobrevida pode não necessariamente depender do efeito da cirurgia, mas sim do próprio comportamento biológico do tumor.
Isso sem considerar que não se consegue extirpar o câncer completamente em pelo menos um terço dos pacientes tratados com cirurgia, o que implica em tratamento complementar com radioterapia e hormônios.
Em 1990 o dr. Graversen e seus colaboradores realizaram um estudo que comparou diretamente a cirurgia com o tratamento expectante e não demonstraram nenhuma vantagem para a cirurgia.
Devido a esses resultados, nos EUA instituiu-se um grupo que avalia os resultados das cirurgias da próstata (Prostate Patient Outcomes Research Team), que recentemente documentou que não existe praticamente nenhum benefício, em termos de anos de vida ganhos para os pacientes operados, e, pior, para aqueles com mais de 70 anos a cirurgia é deletéria.
Mas na medicina moderna não se deve simplesmente avaliar quantos anos foram acrescentados à vida do paciente, mas sim quantos desses anos adicionados foram de boa qualidade. Nesse sentido cita-se que somente 50% dos pacientes ficam impotentes e 3% incontinentes após a prostatectomia radical, dados esses fornecidos pelos próprios cirurgiões.
Entretanto já vimos que o dr. Fowler (1993), nos EUA, para avaliar a qualidade de vida dos pacientes submetidos a essa operação, questionou os próprios doentes sobre as suas complicações, e verificou que 89% deles referiram que não tinham ereção suficiente para penetração vaginal e 47% disseram que perdiam urina constantemente.
Será que esses altos percentuais de complicações existentes nos EUA significam que os urologistas americanos também não são habilitados para realizar essa cirurgia, ou será que devemos questionar e auferir alguns desses números?
Um outro aspecto de como as estatísticas médicas podem ser manipuladas refere-se à citação comum de que 79% dos urologistas americanos prefeririam submeter-se a prostatectomia radical se tivessem um câncer de glândula. Moore & als (1988) curiosamente fez o mesmo estudo e a mesma pergunta aos urologistas ingleses e 96% responderam que rejeitariam a cirurgia.
De forma semelhante, somente 8% dos radioterapeutas fariam a cirurgia nesse cenário. Assim fica claro que a indicação da prostatectomia radical pelos próprios especialistas é um fato muito menos aceito do que alguns querem fazer crer.
Dados conservadores atuais estimam que, nos EUA, os custos com o diagnóstico e tratamento do câncer de próstata são de US$ 13 bilhões de dólares ao ano. Para nós, urologistas que trabalhamos nas universidades e portanto temos uma obrigação social não só para com os pacientes, mas também com a instituição e a formação correta de novos profissionais, esses custos são preocupantes, pois tais números, gastos com uma única doença, são semelhantes a todo o orçamento para a saúde no Brasil.
Mas não somos os únicos com essa visão crítica. O próprio governo americano recentemente começou a patrocinar um estudo de 15 anos (Estudo PIVOT) que compara o tratamento expectante do câncer da próstata com a prostatectomia radical, por causa das óbvias dúvidas existentes. Estudos semelhantes estão em andamento em vários países da Europa.
Pelo exposto, fica claro que o questionamento da eficácia da prostatectomia radical do câncer da próstata é atual e importante. Aqueles que não discutem ou omitem esses dados aos seus pacientes estão promovendo uma urologia desatualizada e tendenciosa.
Quando reflito sobre algumas considerações recém publicadas neste jornal sobre esses aspectos, lembro-me prontamente de Millor Fernandez na sua Bíblia do Caos:
"Quem não sabe, (até que) acredita".
"Vanitas Vanitatis et Omnia Vanitas"

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