São Paulo, terça-feira, 5 de dezembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Durma-se com um barulho destes!

LUÍS PAULO ROSENBERG

Estamos terminando 95 com uma longa lista de vitórias. A inflação flutua em torno de 1% e melhor estaria não fosse a ganância do governo, aumentando valentemente suas tarifas públicas.
As contas externas vão de vento em popa, com exportações anualizadas de US$ 53 bilhões, um recorde incompatível com as lamúrias dos que pedem maxidesvalorização já. No horizonte, a entrada da próxima safra, aliviando ainda mais a pressão sobre os preços e fazendo com que, já em fevereiro, a inflação possa estar abaixo de 1% ao mês.
Contas externas ajustadas, inflação com perspectiva de queda após 18 meses em níveis civilizados -o que pode estar tirando o sono do presidente?
Se é que ele consegue pregar o olho, há três pesadelos povoando seus sonhos: o descontrole fiscal, a crise bancária e o urubu pousado em sua cama.
O desequilíbrio ocorrido nas contas do setor público em 1995 é obra para gastador algum botar defeito. Mesmo com um aumento anual de arrecadação próximo de 20%, o governo foi capaz de produzir um crescimento do déficit operacional de 5% do PIB, o que faz de Juscelino um presidente austero, por comparação.
As despesas com pessoal constituem-se em caso de polícia: a folha dos funcionários do Ministério da Previdência teve aumento real de quase 50% em um só ano! Todos os itens do Orçamento federal cresceram durante o ano. Assim, mesmo sendo verdade que o pior problema concentrou-se nos Estados e suas estatais, quem praticou as taxas de juros sulfúreas que explodiram a dívida deles? Enquanto a Fazenda alega que o gasto é culpa da generosidade da Seplan e esta garante que os juros são a causa de tudo, o déficit sufoca o Real.
O segundo pesadelo passa pela crise bancária. Está sendo muito elevado o custo político de editar o Proer, de o Banco Central intervir atabalhoadamente no Econômico e depois observar, como coruja atenta e inerte, o esfarelamento do Nacional. Costurada às pressas, a união Bandeirantes-Banorte é sinal de que finalmente ocorre uma solução de mercado, sem subsídios federais, ou faltam as cenas do próximo capítulo? Como se aproxima o primeiro trimestre, sazonalmente sempre o mais frio do ano, o aperto de caixa das empresas pode trazer mais pimenta no acarajé federal.
Complicando ainda mais o quadro político, estabeleceu-se um verdadeiro cabo-de-guerra em Brasília. De um lado, a Aeronáutica, irritada com a demissão do seu ministro e com o questionamento da lisura da concorrência do Sivam, apoiada pelo presidente. Do outro, todos os que sentem o cheiro de carniça deixado pelos corvos demitidos querem anular a concorrência sob suspeita, pois vem no episódio a primeira grande oportunidade de derrubar o Ibope presidencial, que continua rijo e forte, como o Real.
O fato é que descontrole fiscal leva à perda da confiança no futuro do Real. Crise bancária prolongada produz descrença até na veracidade das informações contidas nos balanços de bancos. Lentidão em superar o caso Sivam, que envolve denuncias de desvios éticos no círculo próximo ao presidente, é matéria-prima da dilapidação do patrimônio político que a vitória acachapante das últimas eleições presidenciais havia amealhado. Dormir o sono dos justos, quem há-de?

Texto Anterior: Namoro escondido; Tirando o chapéu; Sem vazamento; Evitando corridas; Vez do varejo; No Norte; Novas instalações; Guerra dos cartões; Lados da moeda
Próximo Texto: Desafios do 'custo Brasil' no sistema portuário
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.