São Paulo, quarta-feira, 6 de dezembro de 1995
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'A verdade é um ato de fé', diz Derrida

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O filósofo francês Jacques Derrida, 63, não surpreendeu, como alguns desejavam, mas agradou, e muito, o público que lotou o Masp, em São Paulo, anteontem à noite para vê-lo falar sobre "A História da Mentira".
Em sua primeira conferência no Brasil, Derrida levou cerca de 600 pessoas ao Masp. Compuseram a mesa de debates, além dele, a coordenadora de pesquisas do Instituto de Estudos Avançados da USP, Leyla Perrone Moysés, a professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Jeane-Marie Gagnebin, o professor do Departamento de Filosofia da USP, Renato Janine Ribeiro, e o professor Zeljko Loparic, também da PUC-SP.
O evento, co-patrocinado pela Folha, PUC-SP e USP, teve a mediação do jornalista João Batista Natali, da Folha.
É claro que Derrida, no texto de 40 páginas que leu ao público, não ousou sequer esboçar uma eventual história da mentira. Afinal, seria muito ingênuo para alguém que bebeu na fonte de Martin Heidegger, cuja obra empenhou-se justamente em destruir as categorias tradicionais da metafísica.
No lugar disso, Derrida seguiu o figurino que inaugurou há quase 30 anos, exportou com êxito para os EUA nos anos 70 e continua fazendo sucesso, sobretudo de mídia, que o elege há anos como o maior pensador da atualidade.
"A história da mentira, quem ousaria contá-la? E contá-la como uma história verdadeira? Supondo-se que a mentira tem uma história, seria ainda necessário poder contá-la sem mentir."
Foi assim, através desse dispositivo diversionista, enredando o discurso num jogo de espelhos, ciladas, falsas oposições e deslizes que condenam todo sentido ao abismo e à vertigem, que Derrida começou a desconstrução (eis a palavra-chave) de seu "objeto".
O resultado de suas manobras, de resto muito bem concatenadas e previsíveis, poderia ser um só: "nada nem ninguém poderá jamais provar, em sentido estrito, a existência e a necessidade de uma história da mentira. Podemos no máximo dizer o que ela poderia ser, se é que ela existe".
Daí a dizer que não existem mais critérios para se definir a verdade e que toda crença nela se resume, em última instância, a um ato de fé, foi um passo. "Se eu digo que tenho um passaporte aqui no meu bolso, que tive que usá-lo para viajar, vocês acreditam, apesar de não vê-lo. É um ato de fé."
Alguém, ironicamente, poderia sugerir que, por trás de todo desconstrutivista e sua estratégia de subversão global do sentido, há, enfim, um teólogo.
Ironias de lado, quem foi ao Masp pôde ver que Derrida sabe escolher a dedo os exemplos que sustentam o seu discurso. Tudo em sua fala conspira para que ele seja visto como um legítimo representante de uma mentalidade transgressora, um "gauche", um democrata radical, um precursor do "politicamente correto", alguém que soube trabalhar como ninguém a atmosfera subversiva, liberada histórica e simbolicamente em 68.
A impressão que fica dessa atividade frenética e compulsiva de destruir sentidos, atacar o "logocentrismo" e achar em tudo o signo de uma escritura primordial que teria sido abafada por uma civilização opressora e opressiva, ao final de tudo isso, parece que Derrida está lutando contra os fantasmas que ele próprio ajudou a construir. Ou, como já se disse, está arrombando uma porta já escancarada há muito. Podem chamá-la de relativismo, se quiserem.

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