São Paulo, quarta-feira, 6 de dezembro de 1995
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Woody Allen retrata ocaso das ilusões

CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR-ADJUNTO DO MAIS!

Em "Tiros na Broadway" Woody Allen revisita uma época -os anos 20- pela qual já transitou em outros filmes -"A Era do Rádio", "A Rosa Púrpura do Cairo" e "Neblinas e Sombras". Mas aqui é menos a nostalgia e mais a moral o que interessa.
A primeira cena já dá o mote. Ao paraíso dos luminosos da Broadway, Allen opõe o interior de um escritório, onde David Shayne (John Cusack), um candidato a dramaturgo, tenta convencer seu agente da genialidade de sua última peça.
Seu propósito é recusar qualquer tipo de concessão. A narrativa de "Tiros na Broadway" dará conta das "tentações" que Shayne terá que enfrentar. Todos os personagens que cruzam seu caminho impõem a ele o dilema da concessão num processo sem fim de perda de si mesmo.
Um mafioso aceita produzir o espetáculo, desde que haja um lugar nele para sua amante, uma corista de boate de voz esganiçada e pouquíssimos neurônios.
Para protagonizar a peça, Shayne deseja uma diva, Helen Sinclair (Dianne Wiest, admirável), que, apesar de ser uma estrela em declínio, aceita, desde que seu nome brilhe acima dos outros na marquise do teatro.
Por fim, suprema concessão, Cheech (Chazz Palminteri), o "gorila" que protege a corista aspirante a atriz durante os ensaios, resolve dar palpite no drama pretensioso de Shayne, despersonalizando-o em proveito da eficácia mas tomando dele a única coisa que sobrava, sua criação.
Aparentemente o que Allen filma aqui é o confronto entre criação e mercantilização. Numa cena paradigmática Shayne acorda durante um pesadelo e no escuro ouvem-se seus gritos: "Eu sou uma prostituta!". Assustada sua mulher acende a luz do quarto e o que se vê é uma morada miserável, dentro da qual o artista defende obstinadamente sua integridade.
Mas Allen não sofre dessa ingenuidade e seu filme narra justamente a perda dessa ingenuidade.
Depois de anos tentando (e conseguindo, às vezes) convencer público e crítica de suas qualidades artísticas, Allen ergue um contra-exemplo, que funciona como um paradoxo. Para desmontar o mito criado em torno de si ele acaba confirmando a extensão de seu talento, mas livre do imperativo "artístico" colado a ele.
Ao seu modo sofisticado e ambíguo o diretor mergulha aqui no território da farsa, na qual o "verdadeiro" artista é o protagonista.
Desde "Crimes e Pecados" o que se tem visto é um Allen maduro, um autêntico moralista e uma capacidade de transitar do filme caseiro ("Maridos e Esposas") à reconstituição de época mantendo-se a salvo dos maneirismos.

Filme: Tiros na Broadway
Direção: Woody Allen
Produção: EUA, 1994
Elenco: John Cusack, Dianne Wiest, Chazz Palminteri
Distribuição: Vídeo Arte do Brasil (tel. 011/575-6996)

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