São Paulo, quarta-feira, 6 de dezembro de 1995
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Suspeitas e provas

ANTONIO DELFIM NETTO

Quando há ampla liberdade de movimento de capitais e o efeito do ingresso de recursos não é esterilizado pela venda de papéis do governo, o funcionamento dos mercados aproxima a taxa de juro interna da taxa de juro externa, através do processo de arbitragem.
Nessas circunstâncias (e se o país não possui quadros adequados no Banco Central), é natural e até saudável que parte das reservas líquidas seja entregue a instituições financeiras estrangeiras (e nacionais) para serem geridas competentemente.
Quando, entretanto, um país pratica taxas de juros internas em dólares que são 5 ou 6 vezes maiores do que as internacionais e se consome num processo de esterilização das consequências do aumento das reservas pelo aumento da dívida pública, há sérias dúvidas sobre a inteligência do processo.
Dezembro começou com uma expectativa de taxa equivalente de juros interna de 38% ao ano, enquanto a taxa de longo prazo dos EUA caiu para 6%. Temos hoje mais ou menos US$ 48 bilhões de reservas no chamado "conceito de caixa".
Desse montante, US$ 5 bilhões estão aplicados em ouro e títulos públicos estrangeiros. Segundo o Banco Central, os outros US$ 43 bilhões estão divididos entre o BIS (cerca de 20%) e as instituições financeiras privadas (80%). Estas últimas, portanto, administram cerca de US$ 35 bilhões de nossas reservas.
As dúvidas que existem são as seguintes: quanto dos depósitos recebidos por uma instituição privada são "reaplicados" no Brasil e se a instituição vai ser julgada pelo Banco Central pelo critério de "performance", isto é, pela maior taxa de juros paga? E quais os efeitos disso sobre o próprio montante das reservas e sobre a economia nacional?
Com a "nonchalance" típica do burocrata, o Banco Central diz que "dinheiro não tem carimbo". E acrescenta: "É muito difícil provar essa suspeita, mesmo que fosse verdadeira". O ministro Malan, mais cuidadoso, disse mansamente no Senado que "não saberia dizer se as instituições financeiras onde aplicamos nossas reservas operam em mercados emergentes".
Ora, é óbvio que elas aplicam em mercados emergentes! Ou melhor, no mercado emergente que é o "baú da viúva". Qual o risco para uma instituição financeira que recebeu US$ 1 bilhão para administrar se ela reaplicar no Brasil (por mil caminhos não-traçáveis) US$ 400 milhões, por exemplo? Rigorosamente nenhum.
E qual a sua remuneração? Pelo menos 20%, dos quais devolverá, ao final, talvez 8%, para compor um "portfolio" que encherá de alegria o filósofo que descobriu que "dinheiro não tem carimbo".
Essa inocente operação produz alguns efeitos. Primeiro: as reservas apresentam uma dupla contagem de US$ 400 milhões. Segundo: os US$ 400 milhões reaplicados são, rigorosamente, "vento" para o sistema produtivo nacional. Terceiro: aumenta a dívida interna em quase R$ 400 milhões.
Quarto: consome recursos do orçamento para pagamento dos juros. Quinto: retira do país bens e serviços equivalentes ao lucro da arbitragem (12%), ou seja, quase US$ 50 milhões e, consequentemente, o deixa mais pobre. Sexto: tende a valorizar o real e cortar o emprego dos brasileiros. Que alívio saber que a suspeita não pode ser "provada"!

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