São Paulo, quarta-feira, 6 de dezembro de 1995
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Meditação sobre o aterro

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Um livro sobre Lota de Macedo Soares traz de volta a discussão sobre o aterro do Flamengo. Ela ficou marcada em seu tempo pela relação com a poeta Elisabeth Bishop e pela tenacidade com que impôs ao governador da Guanabara de então, Carlos Lacerda, "o maior parque urbano do mundo".
Machado de Assis foi o primeiro a reclamar dos sucessivos aterros na baía. Bem verdade que Machado não previu o maior parque do mundo, mas profetizou que na área roubada à baía haveria um circo de cavalinhos. Acertou na mosca. Periodicamente, ali são montados os circos previstos no século passado.
Oscar Niemeyer era contra o aterro que distanciava a cidade do mar. Da Barra até o centro da cidade, o carioca pode ir vendo o mar em sua ida diária para o trabalho. Com o aterro, ele penetra no maior parque do mundo e só.
Lota foi contra a construção de quatro pistas de acesso, ligando o centro à zona sul. Quem enfrenta um congestionamento no dito parque maior do mundo tem a quem dirigir suas pragas. Num país que dispõe de algumas das flores mais bonitas do mundo, no aterro não foi plantada uma única rosa, uma acácia, uma dama de noite, um flamboyant -árvore que fez a glória de Paquetá.
O Rio seria impensável sem a ligação expressa que precisava ser construída antes mesmo de Lacerda chegar ao governo. O prefeito Mendes de Moraes já havia feito alguma coisa em Botafogo e no Flamengo, era pouco. O problema é que essas coisas deviam ser entregues a urbanistas e não a vitrinistas. Lota chamou Burle Marx, um paisagista, para integrar a sua equipe. O aterro exigia um urbanista, nunca um paisagista. Em matéria de paisagem, o Rio não precisaria de ninguém. Era só manter o mesmo cenário em que viviam as tamoias nuas que deram tanta preocupação a Nóbrega e Anchieta.
Aliás, a tendência de entregar a cidade a vitrinistas continua até hoje. O prefeito atual transformou certas ruas em ruínas de guerra para melhorar o visual que está sendo piorado. A cidade ficará mais feia e menos operacional. Mas já falei sobre isso em crônica passada.

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