São Paulo, sexta-feira, 8 de dezembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

De Filadélfia a Tamboré

JOSÉ SARNEY

Ao assistir à inauguração do novo parque gráfico da Folha de S. Paulo, fiquei meditando sobre o desenvolvimento tecnológico da imprensa e sua conotação com a política. Pensei naquela gigantesca máquina, os recursos extraordinários de que dispõe, a resolução gráfica dos produtos gerados e na velha e primitiva prensa, de tipos de madeira, dos tempos de Thomas Jefferson, que imprimia folha a folha, com tiragens de cem exemplares.
Juntamente com o desenvolvimento tecnológico marchou a inserção da imprensa dentro do sistema político. A "prensa", vista sob o ângulo jeffersoniano, devia ser o instrumento do cidadão contra a "ditadura do Congresso, que ele tanto temia.
Já que a Constituição dava aos congressistas inviolabilidade de palavra, não podendo nenhum deles ser punido pelo que falava na Câmara e no Senado, era necessário que o cidadão tivesse, também, uma tribuna livre, sem nenhuma restrição ou censura, para questionar pessoas e governos.
Daí nasceu a Primeira Emenda, célebre porque criou aquilo que depois seria o quarto poder, liberdade de imprensa, chegando o mesmo Jefferson a justificá-la dizendo que se lhe fosse dada a opção de fechar o governo ou a imprensa, ele preferia fechar o governo e deixar livre a imprensa. Àquela época a liberdade de imprensa servia ao direito individual.
Hoje, com o progresso da humanidade, a imprensa transformou-se em "mídia" e envolve um universo que compreende a televisão, rádio etc. Mudou, também, o seu enfoque e a sua força. Ela não é somente a protetora do cidadão contra a tirania do Congresso. Ela é a concorrente, democracia representativa, das instituições de governo, no que se refere a expressar a opinião pública.
Portanto, desempenha uma função social, fiscalizadora, investigativa, opinativa, transformando-se sem dúvida naquilo que pensaram os idealizadores da liberdade de imprensa, o "pulmão da democracia", como afirmava Rui Barbosa.
Mas a imprensa, com todos os seus braços, é também uma das maiores indústrias do mundo, uma alavanca da sociedade industrial e, portanto, como tudo numa sociedade livre, sujeita a influências e interesses. Diz-se, hoje, que não é mais o quarto poder, mas o primeiro, porque sem contrapeso. O Legislativo controla o Executivo; este tem poder de veto sobre os atos do Legislativo; o Judiciário controla os dois. Esse é o sistema dos "checks and balances" na concepção do governo dos três poderes.
A pergunta é: e que poder controla a imprensa? Minha resposta é a de que, como expressão de uma parcela da opinião pública, é a própria opinião pública. Se não exerce essa função, perde legitimidade. Hoje, a imprensa é uma instituição política que, em tempo real, é um termômetro da sociedade.
A democracia representativa vai ter de conviver com essa realidade porque a imprensa expressa e forma a opinião pública. E é bom que seja assim. Imprensa livre é sinal de vitalidade. Os ventos da liberdade são construtivos. Há excessos? Há. Mas até estes o tempo corrige e a própria sociedade pune.
Um jornal é uma universidade, pela universalidade dos temas que processa. Mas é uma instituição política que cresceu desde a "prensa" de Filadélfia, até o Centro Gráfico da Folha, em Tamboré.

Texto Anterior: Notícia de jornal
Próximo Texto: IMUNIDADE FORÇADA; ANOS INCRÍVEIS; EMOÇÕES JUVENIS
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.