São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 1995 |
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A precarização é causa do desemprego
PAUL SINGER Enquanto uma maioria decrescente trabalha cada vez mais, uma minoria crescente fica sem trabalhoO mercado de trabalho está sofrendo mudanças profundas no capitalismo contemporâneo, que podem ser resumidas em crescente precarização das relações de trabalho e taxas elevadas de desemprego. Por precarização das relações de trabalho entendemos a substituição de relações formalizadas de emprego, que no Brasil se expressam em registro na Carteira de Trabalho, por relações informais, de compra e venda de serviços, que tomam geralmente as formas de "terceirização, de contratação por tempo limitado, de assalariamento sem registro, de trabalho a domicílio e outras. Em todas as economias que entraram na "globalização", isto é, que permitiram a plena e irrestrita internacionalização de seus capitais, é patente a acelerada precarização das relações de trabalho, a ponto de o trabalho assalariado formal estar se transformando de regra em exceção e privilégio, uma espécie de apanágio de uma elite de trabalhadores. O desemprego elevado e quase irredutível se tornou característico das economias capitalistas "globalizadas" a partir da década dos 70. Ele é corretamente atribuído aos enormes ganhos de produtividade ensejados pela revolução da microeletrônica e da telemática. Só que esta não é a primeira revolução industrial, mas a terceira. Nas anteriores (que a limitação de espaço me impede de analisar aqui), o aumento acelerado da produtividade também acarretou vasto desemprego tecnológico, o qual foi superado mediante a redução da jornada de trabalho. É claro que esta não se deu sem luta. Desde o início do século passado, a regulamentação da jornada de trabalho está no cerne de todas as lutas que resultaram na moderna legislação do trabalho. Desta maneira, a diminuição do volume de trabalho total, causado pelas inovações técnicas, foi enfrentada por uma diminuição correspondente de volume individual de trabalho, imposta por força de lei. O menor volume de trabalho foi distribuído por um número maior de indivíduos, fazendo a taxa de desemprego recuar. Essa sequência histórica ocorreu duas vezes: a primeira no início do século 19, quando a máquina a vapor substituiu as máquinas movidas por força muscular de seres humanos ou de animais; e a segunda, no fim do século 19 e começo do atual, quando a máquina a vapor foi substituída por motores a explosão e elétricos. Em ambas as ocasiões, o movimento operário estava em ascensão e o aumento de sua influência política tornava possível a adoção de leis protetoras do trabalho e a imposição de seu cumprimento pela maioria dos empregadores. Mas a "Terceira Revolução Industrial" ocorre em condições distintas: a globalização do capital enfraqueceu o movimento operário, a ponto deste se mostrar incapaz não só de conquistar nova redução da jornada de trabalho, mas também de impor o cumprimento da legislação do trabalho em vigor. A precarização das relações de trabalho só se explica pelo debilitamento do sistema legal que rege as ditas relações e dos sindicatos, que se tornam impotentes para impor aos empregadores a formalização da compra de força de trabalho. Trata-se de um processo cumulativo, isto é, cujos efeitos reforçam suas causas. As vítimas da precarização ganham por produção, em níveis baixos e sem limitação de jornada. Consequentemente, os trabalhadores precários tendem a trabalhar muito, cumprindo jornadas longas, cujo limite, em muitos casos, é a resistência à fadiga física ou mental. De modo que a precarização não apenas dificulta a redução da jornada legal de trabalho, mas ela de fato aumenta a jornada média efetiva de trabalho. À medida que proporção crescente de trabalhadores se torna precária, cada indivíduo que trabalha trabalha mais horas por dia, mais dias por semana etc., muitos sem tirar férias e a grande maioria sem se aposentar. Em consequência, o volume total diminuído de trabalho se distribui de modo cada vez mais desigual: enquanto uma maioria decrescente trabalha cada vez mais, uma minoria crescente fica sem trabalho algum. É assim que a precarização causa desemprego. O avanço tecnológico indiscutivelmente causa desemprego, mas esse desemprego pode ser temporário se o volume de trabalho for repartido entre todos os que desejam e precisam trabalhar. Mas o desemprego tecnológico torna-se crônico se os que se mantêm empregados trabalharem horas cada vez mais longas, eliminando as vagas que poderiam permitir aos que foram expulsos de retornaram à atividade. É o que efetivamente vem acontecendo mediante a precarização. E não é difícil de entender que o desemprego crônico estimula e facilita a precarização. O desempregado crônico é candidato fatal a trabalhador precário e, na medida em que o consegue, passa a trabalhar muito mais horas para ganhar o mesmo ou menos, com a perda total das garantias que antes usufruia. E à medida que mais e mais desempregados se tornam trabalhadores precários, mais se debilitam os sindicatos e mais se amedrontam os trabalhadores que continuam em empregos formais, os quais oferecem menos resistência à precarização de postos de trabalho em seu setor, e mesmo em sua empresa, contanto que não ela afete seus próprios empregos. A conclusão geral a tirar disso é que é impossível combater o desemprego sem combater a precarização ao mesmo tempo. Reconquistar o cumprimento da legislação do trabalho em vigor parece ser o primeiro passo para barrar e depois reverter o processo de precarização das relações de trabalho. O que, provavelmente, exigirá mudanças fundamentais na globalização. Não se trata de revertê-la, mas de completá-la: a internacionalização do capital deve ser limitada pelo restabelecimento de algumas prerrogativas dos Estados nacionais e pelo estabelecimento de instituições reguladoras do intercâmbio comercial, que tenham a reformalização das relações de trabalho como um dos seus objetivos fundamentais. Texto Anterior: Parceria reduzida; Em leilão; Negócio fechado; Crescimento gradual; No plenário; Há exceções; Na fonte; Sem concorrência; Trajetória revista Próximo Texto: Tropeço na Constituição Índice |
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