São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 1995 |
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Tropeço na Constituição
OSIRIS LOPES FILHO Há grande dificuldade dos governos do país de conviverem com a ordem jurídica existente. Grande parte das agressões à lei ou à Constituição é praticada pelas autoridades governamentais.Essa prática fragiliza a autoridade pública, que não perde apenas a sua autoridade, que deveria procurar preservar, mas essencialmente a credibilidade perante o povo. A ordem jurídica, já ensinava Kelsen, se confunde com o Estado. Na sua visão do Estado, essa poderosa instituição tem sua identidade estabelecida pelo ordenamento jurídico, que a disciplina, dando-lhe o conteúdo substancial. O governo já identificou as dificuldades que a atual Constituição impõe aos seus planos liberais e de abertura das áreas estratégicas da economia ao capital estrangeiro. Assim, providenciou as reformas constitucionais que possibilitam viabilizar a sua política econômica em adequação ao "Consenso de Washington". Em alguns casos, no afã de resolver situações que eram tratadas no acolchoado dos gabinetes oficiais e com a complacência paternal do tutor de ocasião, e que emergiram perante a opinião pública, o conflito com a Constituição manifesta-se abertamente, pois os "advogados de partido" do governo não conseguiram conceber fórmulas de legalidade satisfatória. É o caso do salvamento de vários bancos pelo governo federal. A falha do Banco Central em cumprir o seu dever-poder de fiscalizar adequadamente as instituições financeiras acarretou o surgimento de uma crise, em que os bancos Econômico e Nacional constituem apenas a ponta do iceberg. A omissão na tomada de providências, no tempo certo, ensejou que se acumulassem os problemas, e quando surgiu, aos olhos da população e dos clientes, a crise já apresentava grandes dimensões. O socorro, como sempre, veio do Tesouro. Mas o cobertor é curto. Não dá para aquecer os pés e a cabeça ao mesmo tempo. Então, a alternativa foi garantir a sobrevivência dos bancos, injetando mais de R$ 20 bilhões para sustentar a sua sobrevida, retirando recursos dos programas sociais. Como havia carimbo constitucional garantindo a destinação das contribuições sociais para as finalidades de saúde, assistência e previdência social, e formação profissional, a prorrogação do Fundo de Estabilização Fiscal garante a apropriação pelo Tesouro de, no mínimo, R$ 12 bilhões para atender à política elitista do governo. A medida provisória 1.214 é reedição da que instituiu o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional. Como alguns dispositivos constitucionais ainda não foram modificados pela reforma proposta pelo governo, o caminho escolhido foi o de bater de frente com a Constituição. A nova MP conflita com seu artigo 192, que reserva tal matéria para lei complementar. Instituíram-se incentivos no IR, para os bancos em dificuldade, quando o artigo 150, parágrafo 6º da Constituição Federal exige para tanto lei específica do imposto, ou que trate apenas da matéria incentivada. Não é o caso. A esperança governamental é que os fatos consumados produzam seus efeitos ratificadores, principalmente quando são em benefício da elite dominante. O tempo está mudando. Há de chegar um dia em que o poder seja usado em benefício do povo. OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 56, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal. Texto Anterior: A precarização é causa do desemprego Próximo Texto: Como reformar Estado não é consenso Índice |
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