São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 1995
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Satélite pode revelar segredos do cosmo

RONALDO ROGÉRIO DE FREITAS MOURÃO

Satélite pode desvendar novos segredos do cosmo
Observatório infravermelho da Agência Espacial Européia deve estudar áreas frias do Universo
Desde o seu lançamento, há quase cinco anos, o Telescópio Espacial Hubble vem revolucionando a observação astronômica no domínio das radiações visíveis e próximas ao ultravioleta.
Espera-se que o ISO (Observatório Espacial Infravermelho)-, lançado em novembro por um foguete Ariane-44 em Kourou (Guiana Francesa), venha abrir outra janela sobre o Universo ao permitir uma nova visão, com precisão inimaginável, de tudo o que se passa no domínio infravermelho.
De fato, depois de dezembro de 1993, quando o defeito óptico do telescópio espacial foi reparado, novas descobertas, cada vez mais espetaculares, se sucederam.
Assim, ao observar as galáxias foi possível medir a velocidade de expansão do Universo e, desse modo, a sua idade. Com essa observação, o Hubble provocou uma revolução na teoria do "big bang", o modelo do Universo mais aceito pelos astrônomos: como conciliar a existência de estrelas mais velhas que o próprio Universo que as contém?
Sua imagem também tem revelado uma visão extremamente precisa dos planetas do nosso Sistema Solar. Uma de suas mais notáveis descobertas refere-se ao registro do nascimento de estrelas em imensas nuvens de hidrogênio.
Com o lançamento do ISO, esperam-se para os próximos dois anos descobertas tão espetaculares, em um domínio inacessível ao telescópio espacial norte-americano: o da radiação infravermelha.
Esse domínio apresenta um grande interesse, pois é nessa parte do espectro que os objetos frios irradiam a maior parte de sua energia, mas também porque é no infravermelho que são liberadas numerosas informações sobre a composição da matéria.
Se o Satélite Astronômico Infravermelho (Iras), colocado em órbita em janeiro de 1983, em dez meses revolucionou o panorama do Universo até então conhecido, imagina-se o que poderá ocorrer com o ISO (mil vezes mais sensível que o Iras), que vai durante 18 a 20 meses mapear do céu nos comprimentos de onda infravermelhos impossíveis de serem estudados em detalhe na Terra.
O Iras registrou a existência, no espaço, de poeiras com temperaturas muito próximas do zero absoluto. Essa capacidade de registrar objetos de baixa temperatura evidenciou que o Universo contém muito mais poeira do que se imaginava. Muitas estrelas foram observadas em seu nascimento a partir de nuvens de poeira.
Astrônomos da Universidade de Groningen (Holanda) encontraram uma enorme camada de poeira ao redor de Betelgeuse, estrela supergigante vermelha da constelação de Órion, Esse tipo de estrela, perto das etapas finais de sua evolução, lança no espaço muita matéria. Como essas camadas se encontram muito longe da estrela, tudo parece indicar que se trata de restos que deixaram sua atmosfera há cerca de 100 mil anos, período relativamente curto para um astro.
Ao mesmo tempo que se estudam as etapas finais de uma estrela, a avaliação da quantidade de poeira interestelar, que existe no Universo numa proporção jamais imaginada, permitiu que os astrônomos concluíssem que pelo menos uma estrela do tipo solar (com as dimensões e luminosidade do Sol) está se formando a cada ano em nossa Galáxia.
Foi o Iras que tornou possível observar, pela primeira vez, a formação dessas estrelas com massa equivalente à do Sol. Os telescópios infravermelhos na superfície terrestre já haviam registrado a formação de estrelas jovens, porém todas elas 20 vezes mais pesadas e 10 mil vezes mais luminosas que o Sol. Essas estrelas maiores surgem de gigantescas nuvens de poeira mais facilmente detectáveis.
Ao contrário, as estrelas solares têm origem em nuvens menores, que emitem menos radiação infravermelha. As estrelas se formam da aglomeração de gases e poeira no núcleo das nuvens. Quando o material dessas proto-estrelas se condensa, elas ficam mais quentes e emitem raios infravermelhos.
O Iras encontrou proto-estrelas de pequena massa nas nuvens escuras denominadas Barnard-5 e Lynds-1642. A primeira contém uma ou duas proto-estrelas, e a segunda, um aglomerado central de cinco proto-estrelas. Essas estrelas em estado embrionário devem ter menos de 1 milhão de anos (muito jovens em termos astronômicos).
O Iras também efetuou a pesquisa sobre a formação de estrelas em outras galáxias, especialmente galáxias espirais, em cujos braços se encontraram regiões brilhantes no infravermelho que não correspondiam às estrelas vistas em fotografias. A compressão gravitacional nesses braços concentra gases e poeira para facilitar o aparecimento de estrelas novas.
O Iras encontrou imprevista formação de estrelas no espaço entre duas galáxias que passam muito próximo uma da outra -NGC 1888 e 1889-, o que constitui surpreendente fonte de radiação infravermelha, sugerindo aos astrônomos que a interação gravitacional dessas galáxias poderá dar origem à formação de estrelas nas suas camadas exteriores.
Três anéis de poeira de 160 quilômetros de largura foram localizados no Sistema Solar a uma distância aproximada de 320 milhões a 480 milhões de quilômetros do Sol, constituindo três arcos extremamente estáveis e simétricos.
Esses anéis situam-se próximos à faixa dos asteróides, diminutos corpos celestes de diâmetro em geral inferior a 800 km, que giram ao redor do Sol entre as órbitas de Marte e Júpiter. Embora cerca de 3.000 já tenham sido catalogados, devem existir aproximadamente 40 mil de brilho mais fraco.
Mas jamais se imaginava a existência dos anéis de pó descobertos pelo Iras. Ainda que as primeiras interpretações sugerissem que eles foram criados por choques de dois ou mais asteróides ou de um asteróide com um cometa, essa poeira pode constituir restos das partículas que existiam no sistema planetário por ocasião de sua formação e que não se condensaram.
O satélite Iras descobriu cinco novos cometas, entre eles o Iras-Araki-Alcock, que passou muito perto da Terra (a 4,7 milhões de quilômetros) em 11 de maio de 1983. O último cometa tão próximo foi o Lexell que, em 1º de julho de 1770, passou a 2,3 milhões de quilômetros.
Outra descoberta importante foi a comprovação de que todo cometa possui uma cauda de poeira. A velha idéia de que há cometas sem cauda deixou de existir. Tal comprovação foi obtida observando o cometa periódico Tempel-2, cuja cauda jamais foi registrada em observações da Terra desde a sua descoberta em 1873.
Mas o mais importante foi a descoberta de um possível cometa moribundo. Trata-se de um objeto com aspecto asteroidal, de 2,4 km de diâmetro, que passou a 14,4 milhões de quilômetros do Sol, muito mais próximo que Mercúrio (o planeta mais próximo do Sol).
Esse asteróide, designado provisoriamente como 1983 TB, observado pela primeira vez em 11 de outubro de 1983 por Simon Green, da Universidade de Leicester, e em 8 de novembro pelos astrônomos de Oxford, deve constituir na realidade um velho cometa que perdeu seu envoltório gasoso a cada passagem pelo Sol.
Em suas voltas, os cometas deixam fragmentos ao longo da trajetória. Quando a Terra atravessa essa órbita, há o impacto dessas partículas, e restos dos cometas provocam chuvas de estrelas cadentes. Uma delas, que ocorre todos os anos em dezembro, deve estar associada, segundo o cientista Conway Snyder, a esse asteróide, vestígio de um velho cometa.
É no domínio do infravermelho que se podem detectar os objetos frios do Universo. Tais observações são de grande importância não só para o estudo do Sistema Solar, mas da própria Via Láctea.
A parte central da galáxia é inobservável no domínio da luz visível em virtude da matéria interestelar, mas facilmente registrável com telescópios infravermelhos.
O registro de objetos frios, por exemplo, das estrelas em formação ou no fim de sua vida, já está permitindo compreender melhor as diversas etapas de sua evolução. Radiação infravermelha é produzida nas nuvens de poeira que envolvem esses corpos celestes no início ou fim de suas vidas.
A evidência direta da existência de sistemas planetários em formação anunciada pelo Iras poderá ser confirmada pelo observatório ISO.
Depois do sucesso do satélite Iras, o ISO vai constituir o primeiro verdadeiro observatório espacial astronômico que funcionará no domínio do infravermelho distante durante um período de 18 meses.
Para permitir que o telescópio do tipo Richey-Chretien de 60 cm de diâmetro, assim como quatro outros instrumentos apresentem a maior sensibilidade possível e uma cobertura máxima nos comprimentos de onda, o conjunto foi instalado no interior do Cryostat -uma espécie de enorme "garrafa térmica" de 2,3 m de diâmetro, com 2.250 libras de hélio líquido a uma temperatura de cerca de -270 oC.
O papel desse hélio é manter uma temperatura interna constante inferior a -270 oC, a fim de que os instrumentos não sejam poluídos pela fonte de calor durante 18 meses, ao cabo do qual todo o hélio deve ter se evaporado.
O ISO se distingue do seu predecessor Iras pela sensibilidade acentuada de seus detectores (mil vezes superior), por abranger domínio espectral mais extenso e ter pontaria muito precisa. Seu telescópio poderá permanecer até 10 horas consecutivas dirigido para uma direção determinada do céu onde exista uma fonte de radiação.
Astrônomos poderão estudar objetos cósmicos que vão desde os planetas e cometas do Sistema Solar às galáxias mais afastadas.
Durante os 18 a 20 meses de sua vida, o ISO só vai funcionar 16 horas por dia. Nas quatro horas em que se aproxima do ponto mais próximo a Terra nas quatro horas que se afasta, o observatório espacial deverá permanecer em repouso para evitar perturbações.

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