São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 1995
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Clube nos EUA vende maconha para doentes

DAVID USBORNE
EM SAN FRANCISCO

É quase 1h da tarde no Island Bar e alguém grita "últimos pedidos!". Alguns fregueses se levantam preguiçosamente dos sofás e poltronas para comprar uma última dose. Neste andar só são vendidas variedades mexicanas; para as variedades da Califórnia, mais caras, há outro bar no andar de cima. Não estamos falando de álcool, mas de maconha.
Estamos no Cannabis Buyers' Club (Clube dos Compradores de Cannabis), na Market Street, em San Francisco. Do lado de fora, parece um edifício de escritórios qualquer, de quatro andares, mas o interior é uma versão moderna de um dos bares que vendiam bebidas alcoólicas ilegalmente na época da Lei Seca.
No ar, um cheiro forte de maconha e ritmos de Annie Lennox. Na hora do almoço o movimento é grande nos dois bares, que, além de saquinhos de 2,5 gramas de maconha, vendem salgadinhos temperados com maconha, cachimbos e outros apetrechos usados para fumar a droga.
"O que estamos fazendo é totalmente ilegal", confessa Dennis Peron, diretor e fundador do clube. Mas o clube não é um empreendimento frívolo fundado só pelo prazer de desobedecer a lei.
O clube é reservado a fregueses que sofrem de doenças sérias, geralmente crônicas, especialmente Aids e câncer, e está na vanguarda da crescente campanha nacional pela legalização da maconha para usos medicinais. Ninguém pode tornar-se sócio sem um diagnóstico escrito de seu médico.
Peron vai liderar hoje cem de seus sócios numa passeata da Market Street até a United Nations Plaza, para divulgar a mais recente fase de sua campanha: uma tentativa de conseguir um número suficiente de assinaturas para encaminhar uma petição popular à votação, pelo eleitorado da Califórnia, em novembro de 96, para que os médicos sejam autorizados a receitar maconha a doentes terminais.
A polícia compareceu em peso, mas, já que estamos em San Francisco, um oásis de política liberal nos EUA, ela acaba ajudando os manifestantes. Peron fundou o clube em 1991, depois da morte de seu amante por Aids. Hoje o clube já tem mais de 7.000 sócios.
Curtis, 34, tem o HIV há nove anos. Ele vem ao clube duas vezes por semana e afirma que a maconha ajudou seu corpo a enfrentar o vírus. A droga o ajuda a dormir, restaura seu apetite e suprime a náusea provocada pelo AZT, remédio usado no combate à Aids.
Com um baseado na mão, Curtis explica: "Se eu não fumasse maconha, minha vida seria um eterno ciclo de acordar de manhã e não conseguir tomar nada, e depois não tomar o AZT porque me faz sentir tão mal".
O governo federal continua a negar-se a rever sua designação da maconha como droga da categoria um, perigosa demais para ser receitada por médicos. Já a cocaína e a morfina são consideradas drogas de categoria dois. Este ano a Assembléia da Califórnia aprovou uma lei autorizando a maconha para fins médicos, mas ela foi vetada pelo governador Pete Wilson.
O governo federal afirma que não existem provas científicas dos benefícios da maconha como tratamento médico.

Tradução de Clara Allain

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