São Paulo, terça-feira, 12 de dezembro de 1995
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Negócio da China

LUÍS PAULO ROSENBERG

Crises são peças inerentes aos processos políticos. Nos ditatoriais, elas surgem como resultado do choque de ambições pessoais, que se digladiam nas sombras, usando ora a intriga, ora o pretexto da segurança nacional como argumento de ocupação de espaços decisórios.
Nos regimes democráticos, nos quais a busca de poder por egos insaciáveis também é fonte de crises, as regras de conduta são distintas. Há que se operar nos estreitos limites impostos pela liberdade da imprensa e pelo respeito aos direitos dos envolvidos. Assim, travar o bom combate a céu aberto é imperativo da democracia; destruir carreiras profissionais ou vocações políticas é parte do jogo, desde que cultuado o direito de defesa. Mas comprometer a sobrevivência das instituições públicas, envolvidas no turbilhão, jamais.
Estas reflexões são oportunas no momento em que o governo FHC derrapa no seu inferno astral.
Primeiro, foi a crise da escuta telefônica no palácio. Ela pôs a nu que, abaixo do presidente, não há uma estrutura piramidal de organização da qual a preservação do chefe emergisse como resultado natural de uma distribuição criteriosa de autoridade com responsabilidade. O que existe, de fato, é a zorra de casa da mãe Joana, onde ciumeira de homem e táticas de grêmio estudantil podem empurrar o presidente para uma crise política, com condimentos militares.
Agora, é a vez da pasta cor-de-rosa. Um elenco milionário garante a essa produção sua permanência em cartaz por vários meses. Dentre os protagonistas, na área econômica, estão envolvidos, em novos papéis, os mesmos que nos vêm agraciando com o falso dilema: juros excessivos ou déficit público intolerável?
Muda o figurino, mas os mesmos atores propõem o novo falso dilema: quem manipula informação sigilosa, em interesse próprio, dá tiro no pé do governo ou é função da autoridade monetária revelar que há lobo em pele de cordeiro na equipe governamental?
Enquanto o pau come solto dentro do Executivo e entre o Executivo e o Congresso, tudo sob os holofotes indignados e irônicos da imprensa, sobram petardos contra o Banco Central, algo inadmissível. As labaredas dessa fogueira de vaidades jamais deveriam atingir as paredes da instituição. O BC é um dos raros refúgios que ainda sobrevivem em Brasília do profissionalismo e da ética obstinadamente praticados. Incompetentes e até finórios já participaram da sua diretoria, mas foram fatos isolados, rapidamente excretados.
Nos seus 30 anos de vida, o Banco Central sempre procurou estar à altura da sua missão de guardião dos valores morais e técnicos da política monetária, ainda que pouco tenha podido fazer para preservar a honorabilidade da moeda. Envolvê-lo, pois, em disputas menores é queimar um patrimônio único do país e um instrumento indispensável à continuidade da tão almejada estabilização da economia brasileira.
Na verdade, quando a forma mesquinha de gestão do palácio é dissecada pela imprensa e toda a diretoria do BC é insultada, cabe ao presidente assumir o comando da operação-resgate da sua credibilidade.
É importante obter inflação baixa, como instrumento para manter a maioria da população apoiando o governo. É indispensável ser, como FHC, habilidoso no diálogo com o Congresso para poder impor seu programa de reformas.
Mas para abortar crises exige-se mais. No caso, demitir sumariamente amigos impertinentes e dar a cara para bater, assumindo a defesa de uma equipe injustamente agredida. Preservar a governabilidade do país depende de aceitar rugas precoces e o exercício solitário do poder, e não se espojar nos prazeres circunstanciais do cargo de presidente. A briga pela governabilidade ameaçada é aqui e agora e não um negócio da China.

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