São Paulo, terça-feira, 12 de dezembro de 1995
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Cultura, sem educação e saúde?

NEMÉRCIO NOGUEIRA

Dizem que o empresário só se interessa pelo lucro -e o povo que se dane. Mas eu e mais umas 200 pessoas testemunhamos, há poucos dias, um grande desfile de ações de empresas privadas absolutamente voltadas para o interesse social. Foi por ocasião do seminário "Empresa e Comunidade: Consolidando Esta Aliança", que organizei em parceria com a Câmara Americana de Comércio de São Paulo, do qual participou a professora Ruth Cardoso, presidente do conselho do programa Comunidade Solidária.
E o desfile não se limitou às realizações apresentadas no seminário por Unibanco, Alcoa, CNI, Itaú, Souza Cruz, Bradesco e pela própria Câmara Americana, com apoio da Johnson & Johnson e da Volkswagen. Na etapa preparatória, tive contato com dezenas de outras empresas que há vários anos mantêm, inteiramente às suas expensas, intensos e significativos investimentos de recursos financeiros e humanos no campo social.
Mas, se é verdade que visam exclusivamente o lucro, como se explica que os empresários brasileiros e multinacionais façam todo esse investimento social -que, aliás, nem sequer é divulgado pelo jornalismo ou pela publicidade? O que ganham com isso?
Conquistam, é claro, a simpatia das comunidades em que atuam: os vizinhos de uma fábrica, os habitantes de uma cidade industrial e os mais diversos tipos de pessoas que necessitam de algum apoio, em incontáveis locais do país.
Da construção de estações completas de tratamento de esgoto à distribuição gratuita de leite; de doações em dinheiro para a aquisição de equipamentos e serviços médicos ou educativos à construção e manutenção de escolas e hospitais inteiros; do esforço para aperfeiçoamento de professores primários de escolas públicas a projetos de apoio à preservação ecológica e campanhas de prevenção contra Aids, as empresas e entidades privadas compõem, efetivamente, um imenso e confortador painel de esforços sérios e caros em benefício das camadas mais necessitadas da sociedade. E o fazem para ter como único retorno a boa vontade da comunidade.
Também o fazem sem nenhum incentivo fiscal. Enquanto as que investem em cultura alcançam considerável retorno de marketing e se favorecem há anos por legislação que lhes concede tal benefício -Lei Sarney, Lei Rouanet, Lei Mendonça etc.- as empresas que investem nas questões mais fundamentais e prementes de nosso país, como saúde, educação, nutrição, meio ambiente etc., não têm nenhuma vantagem financeira.
Nada contra a cultura, claro. A produção cultural não pode dispensar esses recursos, nem aqui nem no exterior. Em Nova York, o MoMa, as coleções Frick e Morgan, o Metropolitan Museum e tantas outras grandiosas iniciativas culturais provavelmente não existiriam se o governo americano não oferecesse vantagens tributárias aos particulares que investem em cultura.
Porém, se é mais que sabido que educação e saúde são, de longe, os maiores problemas táticos e estratégicos da sociedade brasileira, por que não encorajar efetivamente o investimento privado nessas atividades comunitárias?
Não vivemos, afinal, o momento da exaustão dos recursos do Estado e a época das parcerias com a iniciativa privada? Se tantas empresas já dedicam recursos significativos a essas ações, sem auferir vantagem material, é mais que óbvio que a criação de um incentivo desse tipo ampliará largamente o número de empresas que o fazem e aumentará os recursos empresariais privados destinados ao bem-estar comunitário.
E uma medida como essa nem sequer seria original. Os EUA têm há muitos anos em funcionamento um modelo que comprovadamente deu certo e propiciou a criação de grandes fundações empresariais voltadas para fins beneficentes e comunitários: Rockefeller, Ford, Carnegie, Alcoa, Kellogg são exemplos famosos, mas há inúmeros outros. Com aproveitamento de vantagens fiscais muito bem fiscalizadas pelo IRS -a Receita Federal de lá- elas retiram da retórica o papel social do lucro e o transformam em ação concreta em benefício da sociedade.
A implantação de uma legislação desse tipo entre nós certamente não seria festejada por artistas, cineastas ou literatos da moda. Mas iria fundo na gratidão de milhões de anônimos beneficiados por todo o Brasil e na sua qualificação para viver em uma civilização globalizada e cada vez mais exigente.

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