São Paulo, quarta-feira, 13 de dezembro de 1995 |
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"Os Fuzis" mistura monotonia e beleza
MARILENE FELINTO
"Os Fuzis" é o chamado clássico cinemanovista, que encerra em seu conteúdo o estudo ou a crítica da miséria brasileira por meio da figura do sertanejo espoliado; e que opta, no que se refere à forma, pela atmosfera estática herdada da nouvelle vague francesa. O filme, construído em primeiros planos, expõe uma situação de agonia provocada pela seca nordestina. São rostos e expressões quase imperceptíveis retratando o ambiente de esterilidade e tensão. Em 1963, chegava ao município de Milagres, sertão da Bahia, um destacamento de soldados, encarregado de proteger o único armazém de alimentos da cidade contra a ameaça de invasão por centenas de retirantes famintos. "Se for preciso, varro a bala toda essa região", sentencia o comandante da milícia que pinga de suor no mormaço da caatinga, buscando em vão justificativas para a missão sem sentido de tirar a comida de quem tem fome. A narrativa segue uma constante dramática, ascendendo aqui e ali por instantes críticos, de alguma ação. Casam-se bem a ausência de vento e de movimento. Fica assim manifesta a resignação do povo cujo "único serviço" era rezar. Enquanto os soldados vigiam, o povo reza, faz cantorias e procissões, chamando chuva, ignorando a presença da milícia e seguindo os passos de uma espécie de Antonio Conselheiro ou padre Cícero local. Na sua cegueira religiosa -não são gratuitos os depoimentos de dois cegos na história-, o sertanejo vai morrendo de fome enquanto venera um boi gordo em plena caatinga esturricada. Os momentos de tensão instalam-se a cada tentativa de comunicação entre soldados e população local. São mundos isolados um do outro. Só há relação direta entre eles no caso amoroso de um soldado com uma moça da cidade. Mesmo quando um sertanejo é morto por um tiro da milícia, paira a dúvida sobre se a mira teria sido em um cabrito ou no homem. Resta a imagem do homem-cabrito, sob o ponto de vista do soldado. O mais expressivo contato entre os dois mundos é feito pelo único elemento estranho a ambos, o revolucionário, o caminhoneiro gaúcho de passagem pelo local, que se revolta contra tanta injustiça. É exemplar a cena da caça dos soldados ao caminhoneiro, sob o latido de todos os cachorros do lugar, em que outra vez homem se confunde com bicho. Tudo muito bem encaixado e resolvido nesse filme de clima angustiante, de tomadas e fotografias precisas de uma agonia. Resta ter paciência para atravessar o mar de tédio. Texto Anterior: Três títulos lembram epopéia da Vera Cruz Próximo Texto: Jece Valadão brilha como protagonista de 'Boca de Ouro' Índice |
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