São Paulo, quarta-feira, 13 de dezembro de 1995
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Uma parceria estratégica

JOÃO AUGUSTO DE MÉDICIS

Erramos: 14/12/95

A escolha da China pelo presidente FHC como o primeiro país da Ásia a ser visitado, logo no primeiro ano de seu mandato, transmite uma mensagem clara: o Brasil deseja reiterar seu empenho em que o relacionamento bilateral reflita nos mais distintos campos -econômico, comercial, científico, tecnológico e cultural- a fluidez dos contatos que têm compartilhado no nível político desde 1974, quando estabeleceram relações diplomáticas.
Países de dimensão continental, Brasil e China têm pesos político e econômico próprios no cenário mundial. Engajados em um programa de abertura e de modernização, vivem ambos um momento particularmente estimulante em seus projetos de desenvolvimento. A semelhança desses processos os aproxima e os instiga a ampliar as bases dessa cooperação de forma sólida e mutuamente proveitosa, exigindo de seus dirigentes e empresários a determinação de não deixar escapar a oportunidade que o momento histórico lhes oferece.
A percepção dessas convergências levou o vice-primeiro-ministro Zhu Rongji, principal orquestrador das reformas econômicas em curso na China, a referir-se às nossas relações como uma "parceria estratégica". A extrema propriedade dessa formulação reflete coincidências numa gama complexa e variada de temas da agenda internacional e a convicção de que a cooperação entre os "dois maiores países em desenvolvimento" -para usar uma expressão ao gosto dos chineses- poderá agregar impulso substancial ao crescimento econômico de ambas nações.
Sublinham essa aproximação a expressiva troca de visitas de alto nível e o gesto do presidente Jiang Zeming, que privilegiou o Brasil como o primeiro país a ser por ele visitado na condição de chefe de Estado. Recorde-se também que seis dos sete membros da cúpula política dirigente chinesa estiveram em nosso país nos últimos três anos.
O comércio bilateral, contudo, ainda está muito aquém desse frutífero diálogo político, das reais possibilidades de intercâmbio e, sobretudo, do interesse mútuo. Tem estado também sujeito a flutuações bruscas, muito em função de uma pauta comercial limitada a poucos produtos. Apesar disso é o Brasil o parceiro mais importante da China na América Latina, já que dos US$ 4,7 bilhões registrados em 1994 nas trocas chinesas com a região, perto de um terço do total foi com nosso país.
As exportações brasileiras, quase irrisórias nos anos 70, ganharam ímpeto no início da década de 80, atingindo cifra recorde em 1985. Após declínio registrado entre 1986 e 91, voltaram a reagir a partir de 1992, para atingir em 1994 o montante de US$ 822 milhões.
Até setembro deste ano o comércio sino-brasileiro havia crescido cerca de 40% em relação a igual período em 94. Tem-se observado, entretanto, que o tradicional superávit favorável ao Brasil vem se reduzindo significativamente. Não seria descabido, assim, prever uma inversão de posições, vindo a China a registrar excedentes comerciais em poucos anos. Isso decorre em boa parte de uma agressiva política de exportações frente a uma economia crescentemente aberta para o mundo, como é hoje a brasileira. Torna-se, portanto, necessário um esforço concentrado do nosso empresariado para ampliar sua presença no mercado chinês.
É esse, aliás, o objetivo da feira e do seminário que se estarão realizando em Xangai por ocasião da visita presidencial. Visam eles promover a criação de joint ventures sino-brasileiras -vertente promissora para a expansão do nosso intercâmbio- e estimular a formação de parcerias em áreas como a da prestação de serviços, onde as possibilidades de cooperação são excelentes e na qual companhias brasileiras já atuam -ou estão se preparando para atuar-, e também em outros campos, como a metalurgia, a biotecnologia, a agroindústria, a informática, a mineração, as indústrias siderúrgica e mecânica, para citar apenas alguns.
Particularmente sensível no setor de exportação de serviços, a falta de um mecanismo ágil de financiamento tem sido um grave entrave à expansão do intercâmbio. Empresas brasileiras detentoras de know-how reconhecido internacionalmente têm sido preteridas por concorrentes que, em igualdade de condições técnicas, apresentam "pacote" financeiro que torna suas propostas mais competitivas.
Mas é sobretudo na cooperação fundada em rico manancial de tecnologias desenvolvidas endogenamente e, portanto, adequadas às necessidades e ao perfil de desenvolvimento de nossos países, que a "parceria estratégica" ganha contornos mais nítidos.
Programa de cooperação em alta tecnologia, modelar e único entre dois países em desenvolvimento, o Projeto CBERS (China Brazil Earth Resources Satellites, para a construção conjunta de satélites de sensoreamento remoto) surge como símbolo e síntese de expectativas promissoras. À sua significativa importância política somam-se consideráveis benefícios para os dois parceiros na capacitação e acesso a tecnologias de ponta, ganhos esses transferíveis a seus setores industriais.
Concluído o projeto -o primeiro satélite já está em fase adiantada de construção e deverá ser lançado em 1997-, o Brasil passará da condição de usuário dos sistemas de sensoreamento remoto alheios à de prestador de serviços, ingressando de maneira competitiva no seleto mercado internacional de fornecedores de imagem por satélites. São tão promissoras as perspectivas que já se estuda a sua expansão de dois para quatro satélites.
Com condições reais para ocupar um espaço cada vez mais relevante no mundo pós-Guerra Fria, é importante que Brasil e China aproveitem as oportunidades que se lhes estão abrindo no processo atual de mundialização da economia para, com o peso que representa o somatório de sua parceria, propugnar por uma economia mundial mais justa e pela superação dos entraves com que ainda se confrontam, juntamente com a grande maioria dos países, no caminho para o desenvolvimento.

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