São Paulo, quarta-feira, 13 de dezembro de 1995
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Essa China bem vizinha

GARIBALDI ALVES FILHO

O presidente Fernando Henrique partiu em viagem oficial à China. Decerto algumas pessoas, com a miopia típica dos que medem o mundo com a escala do seu próprio nariz, devem estar se perguntando: outra viagem ao exterior? E logo para a China? Imaginem o que não diriam se soubessem que há poucos dias o governador de um Estado pobre do Nordeste fez esse mesmo percurso, que não desafia apenas fusos e milhas, mas toda uma mentalidade de governar, planejar e encarar o mundo?
No mínimo iriam ver o fato com ironia. Afinal um governante nordestino sofre na pele, de forma ampliada, aquela condenação que parece imposta aos presidentes brasileiros, de se fecharem dentro de suas próprias fronteiras e ali expiarem seus pecados, suas angústias e suas frustrações. Como se as soluções dos nossos problemas pudessem cair do céu e, numa precisão misteriosa e exclusiva, dos quadrantes azul anil que cobrem nosso vasto território.
Em meados de novembro decidi combinar dois convites simultâneos da República Popular da China e da República da China (Taiwan), viajando a esses países em companhia de um grupo de empresários do Rio Grande do Norte. Aparentemente a conjuntura local era a mais desfavorável: acabara de enviar à Assembléia Legislativa um projeto de reforma administrativa que incluía não apenas profundos cortes nos gastos do governo, com o fim de privilégios em gratificações e salários, como também demissões de funcionários contratados de forma irregular. O ambiente político, em tese, exigia a presença do governador no Estado.
Decidi arriscar, por uma razão muito simples: nada mais complementar para um governo que tenta conter despesas e aumentar a receita, que gasta 83% da sua arrecadação apenas com a folha de pessoal, do que tentar, simultaneamente, promover uma reforma de modernização do Estado e atrair investimentos externos. Os resultados da viagem mostraram que eu tinha razão.
Nos 15 dias que passamos nos dois países não apenas assistimos ao momento singular que duas nações atravessam, como o exemplo concreto de dois povos que encontraram, por caminhos diferentes, na abertura do mercado, a grande ferramenta para o desenvolvimento. Mais do que isso: negociamos com dois povos ansiosos por estabelecer melhores relações comerciais e troca de investimentos com o Brasil, considerado por eles um dos países mais estratégicos no mundo para a concretização de sólidas parcerias.
Isso ficou claro na agilidade com que vários acordos foram fechados com o Estado do Rio Grande do Norte e que devem produzir, a curto prazo, resultados bem concretos. Entre eles a implantação de uma fábrica de cerveja e outra de minitratores.
Independentemente dos seus modelos políticos, os dois países demonstram forte interesse e rapidez nos negócios com o Brasil e já temos marcadas, para o início do próximo ano, as visitas de duas missões oficiais ao Rio Grande do Norte. Uma da região autônoma de Guangxi (China Continental), com a presença do governador Cheng Ke Jie, e outra de Taiwan, chefiada pelo presidente do Conselho de Desenvolvimento Exterior, Ronie Huang, que estuda investimentos na área de indústria química (sal e águas-mães) e fruticultura irrigada no vale do Açu.
Já sou suficientemente vivido e experimentado para não transbordar entusiasmo com protocolos de intenções firmados entre parceiros internacionais.
Mas o que nós, representantes do governo e empresários do Rio Grande do Norte, assistimos nessa visita vai além de meras formalidades diplomáticas. É a demonstração do interesse concreto das duas Chinas de fazerem negócios urgentes com o Brasil. É a prova de que no mundo globalizado em que vivemos não existem fronteiras nem barreiras geográficas para o crescimento conjunto dos povos. E, muito especialmente, não há melhor saída para se buscar o desenvolvimento.
Decerto preencheria melhor o figurino tradicional se o governador de um Estado nordestino, mergulhado em grave crise financeira, permanecesse em seu gabinete negociando soluções políticas no varejo e clamando ajuda do governo federal. Como também aqueles que criticam as viagens do presidente possam achar que o exercício correto da Presidência seja viver o estado de sítio do imobilismo provinciano.
Para estes recomendo apenas que observem os resultados desta viagem do presidente à China. Se numa rápida e primeira viagem um governador nordestino conseguiu bons resultados, quanto mais um presidente, respeitado internacionalmente e condutor de uma política econômica e de uma política externa plenamente afinadas com os tempos modernos. A China pode estar mais do que nunca vizinha do Brasil. Para vê-la, basta abrirmos nossa janela.

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