São Paulo, quarta-feira, 13 de dezembro de 1995
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No escurinho de Brasília

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - Há dois dias vi um repórter de TV transmitindo direto de Nova York. Falava da rua, sob temperatura negativa. O relógio marcava 16h30, hora local. Havia uma escuridão de cinema.
O breu vespertino de Nova York é uma paisagem irrealizável em Brasília. Enquanto bato estas notas, 17h, uma tempestade banha o prédio em que está instalada a Sucursal da Folha. Pois nem as nuvens encharcadas conseguem roubar a luminosidade da tarde brasiliense.
O horizonte nova-iorquino roça o nariz das pessoas. O de Brasília é aberto, inalcançável. Mas mencionei o clima apenas para realçar um paradoxo da nossa capital.
A despeito da fartura de luz, Brasília é uma cidade obscura. O governo, o Congresso, os lobbies, todos movem-se à sombra. Eis a contradição a que me referia: a capital da luz é de uma falta de transparência abjeta.
Se o brasileiro soubesse de metade das negociações tricotadas sob a penumbra do cerrado, derrubaria uma bastilha por dia. Agora mesmo os bancos, sorrateiros a mais não poder, tentam emplacar uma nova mamata.
Querem abater do Imposto de Renda o valor dos empréstimos atrasados há mais de 20 dias. Veja bem: os bancos emprestaram dinheiro, seus clientes não pagaram e eles querem que o idiota do contribuinte cubra o prejuízo provocado por sua má gestão.
Tratada a pão-de-ló, a banca nunca foi de pagar muito imposto. O recolhimento previsto para 95 deve arranhar R$ 1,5 bilhão, um pouco mais do que um projeto Sivam. Aprovada a mamata, os bancos ficariam como que isentos. Não pagariam um tostão ao Fisco.
O pior não está no pedido dos banqueiros, mas na concordância do Banco Central. Não fosse por uma barricada armada na Receita Federal, a nova facilidade teria sido incluída na reedição da Medida Provisória que permite a compra de bancos falidos com estímulo dos cofres públicos.
Frustradas as tentativas iniciais, a banca investe no Congresso. Quer convencer os parlamentares a modificarem a medida do governo. Mantém também a pressão sobre a Fazenda. Bem-sucedida, não restará alternativa ao cidadão comum senão a de agarrar-se a uma máxima de Bernard Shaw: melhor do que assaltar é fundar um banco.

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