São Paulo, quarta-feira, 13 de dezembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O Wanderley vem aí

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Foi num desses congestionamentos que estão enchendo o saco dos cariocas, encolerizado com as ruas quebradas pela prefeitura, que vai estragar o visual de uma cidade que precisa de urbanistas, não de vitrinistas. Alucinado, não podendo fazer nada, concentrei meu ódio no carro que ia à frente, como se ele fosse o culpado de tudo.
Era um Corcel, creio que dos anos 70, bastante combalido, exausto de oficinas e quebra-galhos. No vidro traseiro havia um plástico com a terrível informação: "Wanderley vem aí -1996". De início não dei importância àquela ameaça. Um Wanderley a mais ou a menos, vindo ou não vindo, pouco tem a ver comigo e com meus problemas.
Mas o trânsito não andava, meu mundo, o universo inteiro, de repente, ficou resumido naquele carro e naquele dramático aviso: Wanderley vinha por aí. Fazer o quê? Olhei a placa, enferrujada, presa por um único parafuso na lataria. São João de Meriti.
Então era isso: Wanderley é candidato a alguma coisa no progressista burgo da Baixada, à beira do rio que durante mais de dois séculos separava a ex-capital da República do resto. Em criança, ao voltarmos das férias em Itaipava, o trem cruzava o Meriti e nós cantávamos "Cidade Maravilhosa", nosso hino e nossa glória -estávamos em casa.
De lá para cá, as metrópoles fincadas à margem do rio prosperaram pouco. E a explicação estava à minha frente: Wanderley prometia vir. Tentei visualizar como seria o Wanderley, com w e y, grafia honesta e tradicional. Dava para ver apenas uma calva redonda, Wanderley devia ser baixo e atarracado, talvez com óculos, não, não devia usar óculos, era um emblema do futuro, um arauto do porvir -os óculos não combinariam com ele.
Mas bem que podia ter regulado melhor a sua viatura. Cada vez que acelerava, despejava como um arroto a fumaça negra das entranhas de um motor fatigado. Fechei os vidros do meu carro, liguei o ar refrigerado. E descobri que pior do que a vinda do Wanderley era ter de ir atrás dele, passivamente, como um boi resignado, sem direito ao grito e à ultrapassagem.

Texto Anterior: No escurinho de Brasília
Próximo Texto: IMPUNIDADE; TÁTICA DO SUFOCO; CURIOSIDADE MÓRBIDA; AGENDA CHEIA
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.