São Paulo, quinta-feira, 14 de dezembro de 1995
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Céu de brigadeiro

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Costumo criticar o acacianismo do presidente da República. Ele adora descobrir a pólvora e proclamar o óbvio. Dou a mão à palmatória. Eis que, surpreendentemente, FHC cometeu uma sutileza que não foi compreendida por seus amigos e desafetos, seus áulicos e contestadores.
Pouco antes de ir parar na China, confessando que tudo estava bem com a nação e com ele, usou uma expressão que significa tudo azul: céu de brigadeiro. Os entendidos garantem que brigadeiro só voa quando não há risco de turbulências e tempestades.
Não perceberam o sentido e a profundidade do desabafo. Sim, uso a palavra "desabafo" e acho que fui dos poucos que o compreenderam. De uns tempos para cá, contrariando a meteorologia oficial, e desde que o projeto Sivam virou caso, os brigadeiros andam meio inquietos.
Um brigadeiro foi exonerado do ministério. Culpado ou inocente, o ex-ministro atravessa uma turbulência daquelas de fazer ateu rezar a Santa Terezinha do Menino Jesus. Por sua vez, outros brigadeiros não apreciaram o açodamento do governo em se livrar de um colega deles por causa de um "grampo" telefônico. Estão agitados e agitando.
Foi a esse tipo de brigadeiro e de céu que o presidente se referiu. A frase mais sovada do Barão de Itararé garantia que há algo no ar além dos aviões de carreira. O governo conseguiu uma façanha assombrosa na história dos povos: à falta de uma oposição formal, ele próprio criou a oposição a si próprio. Nem Carlos Lacerda, em toda a sua glória de oposicionista feroz, seria capaz de classificar uma campanha da primeira-dama como masturbação sociológica.
Todas as ações do governo, até mesmo as protocolares, terminam dando bode. Assim como um jantar no Itamaraty intoxicou autoridades, as ações do poder estão provocando crises sucessivas. Basta a citação de três camarões estragados: Sivam, pasta rosa e fusão de bancos. O presidente tem razão: navega em céu de brigadeiro.

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