São Paulo, sexta-feira, 15 de dezembro de 1995
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Um caso comum

JANIO DE FREITAS

A necessidade de "preservar a Aeronáutica", difundida pelo senador José Sarney entre parlamentares do PMDB e do PFL que consideram inevitável a condenação do Sivam, deve-se à persistência de outra e mais nociva preservação: a mentalidade, subserviente e insincera, que confere aos militares o status de intocáveis e às Forças Armadas, não o de instituição a serviço do país, mas de servida pelo país. Velha mentalidade, restaurada pelos anos militarmente brutos e politicamente pusilânimes do regime de 64, na redemocratização vem sendo muito mais recusada pelos próprios militares do que pelos supostos democratas que deveriam fazê-lo.
Por mais que muitos deles tenham a pretensão de confundir-se com a Aeronáutica, a Marinha ou o Exército, militares são indivíduos, servidores públicos e responsáveis por seus atos. Como em qualquer atividade. Nas Forças Armadas ocorrem, e não com pouca frequência, anulações de compras e concorrências, recusas integrais de projetos, reformas de oficiais comprometidos com procedimentos administrativos inaceitáveis. Nada disso é evitado a título de preservar a Aeronáutica, a Marinha, o Exército. É ridículo e pernicioso que políticos, senão responsáveis, ao menos investidos de responsabilidade, ajam de maneira diferente, confundindo instituição e indivíduo.
O plenário do Tribunal de Contas da União acaba de dar um exemplo de comportamento constitucional e democrático, ao recusar por unanimidade o parecer favorável do ministro Adhemar Ghisi para a compra pela Aeronáutica, por R$ 3,4 milhões, de um prédio que as avaliações oficiais estimaram entre R$ 1,2 milhão e R$ 1,6 milhão. E nada aconteceu nem vai acontecer à Aeronáutica como parte da instituição militar.
O Sivam é um projeto de valor inicial quase 500 vezes superior ao prédio. O professor Rogério Cerqueira Leite e demais cientistas que têm defendido a construção do Sivam com a já habilitada tecnologia brasileira, ao custo na ordem dos R$ 300 milhões, recebem da Argentina uma comprovação de sua tese: ao abrir concorrência para um sistema nacional equivalente ao Sivam só da Amazônia, os argentinos estabelecem o custo de R$ 435 milhões. O Sivam parte de R$ 1,4 bilhão, não teve concorrência, está contaminado por uma sucessão de irregularidades que parece não ter fim. E sobre as quais é indispensável referir outra vez, e no mesmo sentido da anterior, o relatório do Tribunal de Contas da União condenando, demolidoramente, o processo de escolha das empresas Esca e Raytheon pelos coordenadores do Sivam.
Como em qualquer instituição, nas Forças Armadas não há que atribuir extensão institucional a responsabilidades individuais. Esse desvio já foi praticado em relação a outros problemas, e o resultado disso está aí pesando até hoje. Não fosse assim, a Organização dos Estados Americanos não estaria abrindo um humilhante processo contra o Brasil, por não investigar os crimes políticos aqui havidos.

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