São Paulo, sexta-feira, 15 de dezembro de 1995
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Reforma ou caos

MAILSON DA NÓBREGA

O título deste artigo é uma homenagem ao professor Hélio Jaguaribe, que entre 1985 e 1987 coordenou amplo estudo sobre os problemas sociais do país. Sob sua liderança, um grupo de intelectuais radiografou as nossas mazelas, diagnosticou suas causas e apontou saídas para vencê-las.
Os estudos foram condensados em duas obras editadas pela Paz e Terra. A primeira, de 1986, denominou-se "Brasil, 2000 -para um novo pacto social" e a segunda, de 1989, recebeu o título "Brasil", reforma ou caos. Quase dez anos depois, continuam atualíssimas as propostas e a nossa incapacidade de resolver esses problemas.
Seus autores sugeriram políticas públicas capazes de nos colocar, a médio prazo, em situação semelhante à dos países do sul da Europa. Diziam, contudo, que "taxas satisfatórias de crescimento só poderão ser restabelecidas de forma sustentada se for elevada a taxa de poupança doméstica e restaurada a capacidade de financiamento do governo".
Propunham, na realidade, ampla reforma do Estado. Dificilmente imaginariam que se tomaria um caminho oposto. A Constituição de 1988 foi a negação da reforma: aumentou a intervenção do Estado na ordem econômica, piorou o serviço público, agravou o já doente regime fiscal e contribuiu para reduzir a eficiência da economia. Buscou o caos.
A Constituinte se reuniu num período em que já era patente a crise fiscal brasileira. A necessidade de redefinir o papel do Estado era tema disseminado em todo o mundo. Nada disso influenciou os constituintes, cuja maioria, é de supor, padecia de enorme grau de desinformação.
A sociedade brasileira, entretanto, avançou mais do que a classe política. Percebeu a exaustão do modelo de desenvolvimento baseado no Estado. A reconquista da liberdade de imprensa e a restauração da democracia permitiram escancarar até as entranhas um Estado contaminado por ineficiências, privilégios e corrupção.
No passado, o Estado serviu ao objetivo de construir uma indústria sólida e uma agricultura diversificada, ambos agora com capacidade de enfrentar os desafios da competição em escala global. Assegurou a formação de poupanças, incentivou os investimentos e criou bases definitivas para a formação do capitalismo brasileiro.
O Estado tornou-se vítima, entretanto, dos grupos de interesse, localizados em segmentos da classe política, da burocracia, do empresariado e do sindicalismo. Estes são os que resistem às mudanças. Possuem, como se tem visto, incrível poder de barganha e capacidade não raro inexcedível de sobrepor-se à vontade da maioria.
Reformar o Estado e colocá-lo a serviço apenas da sociedade é, assim, o grande desafio neste final de século. A Constituição precisa ser, em grande parte, reescrita. As primeiras reformas já aprovadas, da ordem econômica, mostram, graças a Deus, que o caminho está aberto para realizar essa obra ciclópica. Vai demorar, mas a rota de mudanças parece irreversível.
Vencer as imensas dificuldades de produzir essas reformas não é, todavia, tarefa exclusiva dos governantes. Depende menos ainda de uma atuação solitária do presidente da República. Requer, ao contrário, participação ampla dos cidadãos e a pressão permanente da opinião pública.
Um passo para envolver mais a sociedade nesse empreendimento foi dado na semana passada. Criou-se o Conselho de Reforma do Estado, de caráter consultivo, para auxiliar presidente e ministros nessa missão. Composto de 12 membros não pertencentes ao setor público, deverá promover debates e oferecer sugestões ao governo.
A idéia, desenvolvida pelo Ministério da Administração, baseia-se em experiências vitoriosas nesse campo levadas a efeito pelo governo japonês e outros da Europa, principalmente o da Suécia.
A criação do conselho não garante maior velocidade às reformas. Estas brotarão, a rigor, de uma complexa combinação de vontade política, eficiência decisória no Congresso e capacidade de negociação no Executivo.
Trata-se, porém, de um esforço adicional no sentido de edificar uma sociedade crescentemente autônoma do Estado e um Estado autônomo dos diferentes interesses nele encastelados.

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