São Paulo, sexta-feira, 15 de dezembro de 1995
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Poetas e construtores

LUÍS NASSIF

A dificuldade que tem a equipe econômica para levar adiante projetos e idéias prende-se, de um lado, à desestruturação do serviço público brasileiro após o furacão João Santana. Mas, em grande parte, à falta de experiência gerencial e vontade política da própria equipe e, especialmente, do presidente da República.
À medida que as técnicas gerenciais passam a se tornar dado intrínseco da realidade cultural brasileira, ficam cada vez mais nítidos os problemas decorrentes da falta de método no processo de gestão pública -especialmente quando na ponta da implementação há intelectuais dotados de muitas idéias e pouca disciplina.
Dias atrás, um desses intelectuais no governo desabafava seus problemas quando criou sua própria empresa. Havia profusão de idéias, da sua parte e de outros sócios intelectuais, e total indisciplina no seu encaminhamento. Acabaram contratando a peso de ouro um gerente, incumbido de discipliná-los.
No seu negócio, reconheceu a importância desse elemento. No setor público não, porque significaria a muitos desses intelectuais abrir mão do prazer de conduzir processos -mesmo não tendo a menor idéia de como implementá-los, como provam as gestões desastrosas de intelectuais brilhantes à frente de órgãos como o BNDES e o Banco Central.
Detalhes
O início de todo projeto é uma idéia. Pavimentando-a, há o planejamento, um jogo maçante, pouco criativo, mas fundamental para o sucesso da idéia. É preciso prever os detalhes, estimar as dificuldades e necessidades de recursos, definir cronogramas de implantação, cobrar dia a dia os prazos acertados, saber como reformular o cronograma em caso de atrasos.
Esse tipo de experiência está a anos-luz da formação do intelectual-acadêmico. E, no entanto, o diferencial entre países, empresas e pessoas está justamente na absorção dessas técnicas de qualidade -que nada mais são do que a sistematização de experiências, de maneira a disciplinar e viabilizar idéias.
Na coluna de ontem, contava-se como um velho consultor, homem público por excelência, implantou um programa de qualidade em uma escola e os resultados alcançados vão permitir a criação de um número de vagas na escola pública superior a tudo o que pretendiam os Ciacs -sem despender um tostão.
Essas verdades fundamentais ainda não foram compreendidas por nossos gestores econômicos. A incapacidade de montar uma política industrial, agrícola, de acelerar as reformas da Saúde, de reestruturar gerencialmente a Previdência, reside nessa incapacidade absoluta de entender os novos paradigmas mundiais.
Quando saírem do governo, atribuirão a falta de resultados a limitações de ordem política, ao desaparelhamento do setor público e a todo um elenco de justificativas mais ou menos criativas.
Não é apenas isso. O Programa Brasileiro de Produtividade e Qualidade, as câmaras setoriais e o programa de abertura da economia mudaram a face do país.
E foram obra de funcionários do terceiro escalão, armados até os dentes de vontade de mudar e dotados da segurança de quem domina métodos gerenciais e sabe fazer as idéias acontecerem.

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