São Paulo, sexta-feira, 15 de dezembro de 1995
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Corvo, tucano e papagaio

JOSÉ SARNEY

Corvo não é ave para ser citada no Brasil. Não é nacional. Aqui, bom é sabiá, papagaio e urubu. São bem brasileiros.
Ainda mais citado pelo presidente da República, porque, em português, corvo é uma palavra perigosa.
Leva alto risco de sair da gralha, um tipo de corvo, mas que significa pastel de jornal, quando uma letra sai do lugar e entra outra. Então é o diabo.
Dom Pedro 2º foi vítima disso. Quebrou a perna e começou a caminhar apoiado em duas muletas.
"O País", grande jornal da época, saudou o acontecimento com satisfação. Só que em vez de muletas, saiu: "Imperador anda com duas mulatas". E foi um reboliço na Corte.
Corvo foi chamado Carlos Lacerda pelo Eloy Dutra e todos que o insultaram diziam: "O corvo do Lavradio", alusão à sede da "Tribuna da Imprensa".
Corvo foi o tema de Poe, para o "never more". "Quem fala nos meus umbrais?" E o corvo respondia: "Nunca mais".
Mas corvo célebre foi o de La Fontaine, aquele da fábula, bobo e vaidoso, que ao ser saudado -"bom dia, como estás bonito"- abriu o bico e deixou cair o queijo, que foi comido pela raposa.
Acho que o presidente devia ter dito que deviam parar de falar "os papagaios". Telefone está mais para papagaio do que para corvo.
E o papagaio já foi símbolo nacional -o Zé Carioca, da Carmem Miranda.
Colombo, quando descobriu a América, gastou a primeira página do seu diário falando de papagaio e o barão de Blanchard, ao cobrar do governo português a carga da Pélérine, sua caravela pirateada pelos lusitanos, apresentou a conta mais alta de "600 papagaios sachant déjà quelques mots de français" (falando já algumas palavras de francês).
De papagaio podia ser utilizada uma anedota para condenar essa história terrível de "grampearem" telefones em que o presidente falava. E se quisesse falar com raiva, chamasse de urubu, que, conforme seu ânimo de suspeita, poderia invocar "urubu malandro".
Mas eu penso que, realmente, de tucano não podia chamar. É ave bonita e tem bico grande, mas bico fechado. Nada de falar nem de cantar.
O que é necessário, contudo, é, na tônica presidencial, ter cuidado com as aves. Corvo é capitalista. Papagaio é de esquerda.

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