São Paulo, sexta-feira, 15 de dezembro de 1995
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Ninguém segurava o Brasil

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Anteontem, 13 de dezembro, o Ato Institucional nº 5 teria feito 27 anos. Não é data redonda; mesmo que fosse, acredito que não seria comemorada. Apesar de tudo, ela deve ser mencionada. Memória não é o forte da componente nacional. Daí que repetimos a mesma quebração de cara.
Em 1968 a classe militar, que havia tomado o poder quatro anos antes, achava que era pouco. Quis mais e fechou o Congresso, censurou a imprensa, prendeu centenas de insatisfeitos. Não chegou à violência por prazer, mas por achar que o interesse do Brasil exigia a ruptura democrática.
Substituindo a classe militar pela classe neoliberal, temos aproximadamente uma situação parecida com o período que antecedeu o AI-5. Assim como o governo daquele tempo era a comissão executiva dos interesses militares, o governo neoliberal é o braço operacional de uma nova classe.
Há duas diferenças. Os militares romperam o processo democrático de forma violenta -façanha que a classe neoliberal ainda não fez, pelo menos até o momento em que escrevo a crônica. Em compensação, a classe militar estava convencida de que agia em nome de interesses nacionais, da paz na família brasileira, de respeito às tradições cristãs-ocidentais. Uma ou outra exceção sempre houve, militares e agregados que aproveitaram os ideais cristãos-ocidentais para tratar de interesses próprios.
Já a classe neoliberal no poder, tanto a que está acima como abaixo da linha d'água, pode ter exceções às avessas, um ou outro que pensa no interesse da nação. Mas o assanhamento que se constata no governo, em parte da mídia e em setores majoritários do empresariado é na base do lucro como supremo estágio na escala de valores da sociedade humana.
Em 64 os militares tomaram o poder, mas não aboliram drasticamente a liturgia democrática. A ruptura veio em 68, com o AI-5. Grande parte da mídia aplaudiu a violência, o povo parecia satisfeito, ninguém segurava o Brasil. Apesar das crises que estão estourando, o governo neoliberal continua achando a mesma coisa.

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