São Paulo, sábado, 16 de dezembro de 1995
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Súmula com efeito vinculante e a independência do magistrado

EDUARDO VANDRÉ OLIVEIRA LEMA GARCIA

As normas que sustentam a atuação do Poder Judiciário têm se revelado ineficientes para atender os anseios da sociedade por uma Justiça que decida, a um só tempo, acertadamente, sem prejuízo da ampla defesa e com razoável grau de rapidez.
Para alcançar este objetivo, acreditamos que parte da solução está no controle do volume de processos que aportam o Judiciário, o que no âmbito da Justiça Federal poderia se dar através do efeito vinculante das súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, tribunais que em última instância decidem acerca da compreensão a ser dada à Constituição Federal e à legislação federal infraconstitucional, respectivamente.
As súmulas, por decorrência, são o resultado do entendimento firmado por estes Tribunais, na sua respectiva competência.
Atribuindo-se efeito vinculante a elas, todos os juízes e tribunais estariam obrigados a adotar em suas decisões o entendimento firmado nas súmulas, cabendo-lhes negar seguimento a recursos que ataquem exclusivamente a matéria sumulada. Daí porque, parte da comunidade jurídica teme que a implantação desta regra venha ferir a independência dos juízes em seus veredictos.
Vejam, contudo, que esta independência não é uma vaidade da magistratura, mas uma garantia de quem é julgado. Com efeito, o juiz deve ter instrumentos para poder delimitar as peculiaridades de cada caso à luz do sistema normativo, porque, invariavelmente, um acidente de trânsito nunca é igual a outro, assim como um casamento desfeito nunca é igual a outro igualmente desfeito etc...
Ou seja, o juiz julga fatos e valores e tais elementos nunca se repetem com os mesmos detalhes e os mesmos valores intrínsecos. Isto sem falar na permanente transformação social que atribui importância a certos fatos juridicamente irrelevantes em momento histórico anterior.
Quem pode se esquecer, por exemplo, da evolução do pensamento jurídico acerca dos direitos da companheira não casada, frente à relação com seu companheiro? Não há dúvida, nesta hipótese, que as decisões judiciais de primeira instância anteciparam em muito o reconhecimento feito pela lei.
Imaginemos, pois, que no momento histórico desfavorável às relações estáveis não-matrimoniais, houvesse uma súmula de observância obrigatória, que estabelecesse a inexistência de qualquer efeito jurídico a tais relacionamentos; perguntar-se-ia: que instrumentos teria o juiz para acompanhar a dinâmica social e adaptar a lei vigente à nova ordem social?
Nenhum, pois a conduta do magistrado, em hipóteses tais, estaria diretamente vinculada aos ditames da súmula.
Mesmo assim, não se há de desprezar dois valores que o efeito vinculante visa prestigiar: o primeiro é a unificação do Direito, pois se por um lado os fatos e valores nunca se repetem, é certo que a compreensão acerca da norma que resolverá o litígio haverá de ser unificada, de modo que as pessoas não sejam julgadas por interpretações diversas acerca da mesma norma; o segundo é a redução do número de recursos que chegam ao STF e no STJ, com o fim de preservar a autoridade dos seus posicionamentos.
O que se conclui, portanto, é que o efeito vinculante das súmulas é um aspecto positivo enquanto instrumento para evitar demandas repetidas sobre a mesma matéria e para preservar a unidade do Direito dentro de determinado momento histórico.
Porém, a norma que venha instituir este sistema não deve subtrair do magistrado a capacidade de enxergar os fatos postos à julgamento os seus contornos típicos e axiológicos, a fim de resguardar a individualidade do julgamento e a indispensável atribuição do Judiciário de dar à lei uma interpretação consentânea com o seu tempo, preservando a Ordem Jurídica, inclusive, de uma cisão institucional pelo descompasso entre a regra e a sociedade.

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