São Paulo, sábado, 16 de dezembro de 1995
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Concurso da Magistratura desfez enganos

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Vivi, nos últimos dez meses, uma experiência inusitada, pois fiz parte da comissão examinadora do Concurso de Ingresso da Magistratura do Estado de São Paulo. Quando aceitei o encargo não fazia idéia do trabalho que me aguardava. Foi gigantesco, em si mesmo e mais ainda, se considerarmos que nenhuma das atividades profissionais foi interrompida.
Antecipo a conclusão: valeu a pena, a contar do esforço conjunto com o presidente da comissão, desembargador João Sabino Neto, um jovem atuante e justo, firme condutor dos trabalhos, no viço de seus quase setenta anos.
Ao corrigir milhares de provas escritas -inscreveram-se 3.229 disputantes- modifiquei conceitos arraigados. Eu acreditava que a maior parte dos inscritos era inspirada pela vocação para a magistratura. Santa inocência. São muitos premidos pela necessidade do emprego, que se inscrevem para todos os concursos possíveis.
Observei o baixo nível de cultura geral e jurídica de mais da metade deles, enquanto produtos da péssima categoria do ensino do direito, ressalvadas exceções, entre as quais servem de exemplo a faculdade do largo de São Francisco e a PUC-SP.
254 foram aprovados na prova escrita e passaram à fase seguinte na Escola Paulista da Magistratura. A prova escrita, nos moldes em que foi dada, é sacrifício inútil para os quatro membros da Comissão. Deve ser substituída, conforme sugestão unânime do presidente, dos desembargadores Luís de Macedo e Celso Luiz Limongi e minha, pelo exame da múltipla escolha corrigido por leitura ótica, pré-selecionando os candidatos.
Modifiquei outra impressão, corrente entre os advogados: ser filho de desembargador ou de juiz nem ajuda, nem prejudica. A aprovação depende de outros fatores. Saber bem ou não saber o direito e a jurisprudência, ter passado claro, ter bom perfil psicológico classifica e desclassifica.
A composição da banca examinadora ajudou muito a superar a dificuldade da avaliação. O diálogo com Luís de Macedo, exemplo de cavalheiresca e tranquila sabedoria, foi sempre agradável. Afinal, ele começou a atividade profissional como jornalista, nesta Folha. Chegou a escrever "Letras Jurídicas", em ausências de seu antigo titular, Teofilo Cavalcanti, nos anos 60.
Celso Luiz Limongi, o mais novo dos quatro, com assento em câmara criminal, é membro destacado na Associação dos Juízes para a Democracia, além de professor habilitado a compreender imediatamente as angústia dos candidatos. Sua preocupada aflição em ser justo na avaliação dos disputantes me comoveu.
O aprendizado não parou aí. Entrei para a comissão sob a impressão de que o Tribunal de Justiça discriminava as mulheres. Não mais. Neste concurso, havia mais homens inscritos, que mulheres. Houve mais homens (53,3%) entre os vitoriosos, do que mulheres (46,6%).
O cuidado na preservação do sigilo das questões, impossível de ser quebrado ante os cuidados que adotamos, a exemplar conduta dos funcionários do Tribunal na seção especial encarregada do concurso, o desenvolvimento firme e constante, sem uma só interrupção, me impressionaram pelo rigoroso profissionalismo.
Foi, de fato, experiência exemplar. Muito dura e sacrificada. Mas, digo de novo: valeu a pena. Ia me esquecendo do último pormenor: dos 3.229 inscritos, passaram no concurso 71 candidatos, ou seja, 2,2%, sendo 40 do sexo masculino e 31 do sexo feminino.

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