São Paulo, domingo, 17 de dezembro de 1995
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Por uma Previdência digna

VICENTE PAULO DA SILVA

A semana passada marcou um novo e importante momento na discussão acerca das reformas da Previdência Social brasileira: o momento de início das mobilizações populares contra as mudanças propostas pelo governo e a favor de uma real reestruturação da Previdência, calcada em uma profunda discussão na sociedade e no fim da manipulação dos seus recursos pelo governo federal.
Foi essa mobilização que impediu que a Comissão Especial da Câmara iniciasse a votação da matéria, mas foi também ela que colocou a nu as diversas contradições das propostas governamentais, boa parte delas assumidas também pelo relator designado para apresentar a análise de mérito.
É nesse contexto que surge na imprensa a declaração do presidente da República afirmando que só agora -decorridos cerca de oito meses da apresentação das emendas pelo governo- as centrais apresentam suas propostas. Declaração esta que só faz confirmar um modo de fazer política que já vem se tornando característica do governo FHC: alegar que desconhece tudo o que ocorre de grave à sua volta até que -desmentido- se presta a colocar a culpa em um de seus subordinados. Acontece que a CUT entregou suas propostas diretamente a ele.
Foi assim com o caso da escuta telefônica, com o caso da pasta rosa; está sendo assim quando o presidente diz que a nossa Central só agora apresenta suas propostas para a Previdência.
Na verdade, as propostas da CUT constam desde 1994 das atas das reuniões dos Conselhos Nacionais de Previdência e de Seguridade Social; foram consolidadas em uma publicação enviada ao Ministério da Previdência e a todos os parlamentares do Congresso em agosto e constaram do depoimento do representante da CUT à Comissão Especial da Reforma, em novembro.
Se o presidente não tomou conhecimento de nenhum desses fatos e dos documentos que escrevemos -públicos e entregues a ele e a seus subordinados-, alguém no governo desejou lhe omitir tais propostas e opiniões da CUT. Qualquer que seja, entretanto, a verdade, ambas são igualmente graves.
Quero deixar claro que defendemos profundas reformulações no sistema previdenciário que, antes de mais nada, ataquem a imensa sonegação ao sistema e que façam com que a Previdência tenha consolidado para cobrança cerca de R$ 35 bilhões, número que poderia ser bem maior se os sindicatos pudessem ter acesso aos livros contáveis de certas empresas que escondem o lucro, mas escondem também muitas vezes a sonegação e a fraude.
Reformulação que acabe de vez com os desvios praticados pelo governo federal sobre o orçamento da seguridade social e que só em 1995 (já no governo FHC) representaram cerca de R$ 5 bilhões, valor muito próximo do que o governo (que alega não ter dinheiro para a saúde) gastou com o Proer só na fusão do Nacional com o Unibanco.
Reformulações que façam acabar efetivamente com os privilégios daqueles que recebem aposentadorias que, em alguns casos, chegam perto dos R$ 20 mil, enquanto a imensa maioria dos aposentados do INSS não ultrapassa o valor de R$ 100. Curioso é que o governo possui todos os instrumentos legais (segundo declaração do presidente do STF à Comissão Especial da reforma em novembro) para acabar com tais privilégios, mas surpreendentemente não os utiliza. Será que boa parte desses privilegiados não compõem os quadros de mando do próprio governo e de alguns partidos que lhe dão sustentação?
Queremos uma Previdência gerida de forma colegiada por trabalhadores ativos, aposentados, empresários e governo, onde as decisões sobre as políticas aplicadas à área não sejam mais objeto de barganhas do tipo "toma lá, dá cá".
Queremos uma Previdência que rediscuta as aposentadorias especiais à luz da redução da exposição do trabalhador ao agente nocivo, mediante redução da jornada e do efetivo controle sobre o uso de equipamentos de proteção. Para tanto deve-se dar poder real de fiscalização às Cipas e aos sindicatos. Mas tal alternativa o governo nem sequer pensa em adotar. Será porque também incomoda setores que lhe dão sustentação?
Queremos manter um tratamento diferenciado aos professores, não no sentido de garantir-lhes um privilégio, mas sim no de permitir-lhes uma aposentadoria justa, concedendo a tais profissionais uma maior segurança para melhor ensinar nossas crianças e, com isso, construir um país melhor.
Queremos uma Previdência com teto de benefícios de 20 salários mínimos, que permita tratar de forma igual e justa funcionários públicos e privados.
Uma Previdência que efetivamente trate o trabalhador rural como cidadão igual aos demais, que se não contribui mais para o sistema é porque a própria Previdência não cria condições para tal, talvez porque não interesse a algumas autoridades governamentais mexer com o latifúndio improdutivo. Façamos a reforma agrária e veremos o que o campo pode produzir de riquezas para o país.
Reconhecemos, assim, que a Previdência precisa mudar. Tais mudanças, entretanto, não podem ser operadas a partir da cabeça de uma meia dúzia de "iluminados", mas precisam ser a expressão da vontade da sociedade, que exige a abertura efetiva desse debate. Os que insistirem em desconhecer essa necessidade é que estarão realmente com outros interesses que não os do povo.
Precisamos, portanto, nos unir: centrais sindicais, organizações populares, partidos políticos e a sociedade como um todo, respeitando a individualidade de cada organização, mas lutando de braços dados pela Previdência pública e digna para aqueles que a sustentam!

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