São Paulo, domingo, 17 de dezembro de 1995
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Quatro equívocos de análise

JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS; MANSUETO F. DE ALMEIDA JUNIOR

A dívida dos agricultores junto ao Banco do Brasil não foi perdoada, mas sim renegociada
JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS e MANSUETO F. DE ALMEIDA JUNIOR
Neste segundo semestre do ano tem se tornado comum quatro grandes equívocos referentes a recentes acontecimentos na área econômica. Esses equívocos se auto-alimentam e se proliferam abusando do grande público, que procura acreditar na lógica e bom senso daqueles que deveriam procurar explicar e não confundir conceitos claros de economia.
O primeiro desses equívocos decorre da ligação direta que se faz entre o saldo de caixa da Previdência Social e sua capacidade de financiamento. Ou seja, dado que a Previdência possui atualmente um saldo de caixa positivo de cerca de R$ 1,8 bilhão, argumenta-se que esse montante seria suficiente para financiar o crescimento dos benefícios do INSS. Deve-se esclarecer que esse argumento é completamente incorreto.
Esse saldo de caixa é aplicado e seu rendimento utilizado para fazer frente a diferenças temporárias entre receitas e despesas da Previdência. Contudo, como o crescimento dos benefícios foi mais que proporcional ao crescimento das receitas, tem-se utilizado os juros e parte do principal desse saldo para cobrir essa diferença, o que ocasionou sua diminuição em mais de 40% em relação a maio, quando este foi superior a R$ 3 bilhões. Essa situação sinaliza para o esgotamento desse saldo de caixa no futuro, caso não se compatibilize as receitas da Previdência com as suas despesas.
Na eventualidade de um aumento dos benefícios sem um correspondente crescimento da receita, ter-se-ia o esgotamento ainda mais rápido desse saldo, o que impediria a Previdência de honrar suas obrigações. Essa situação mostra a necessidade da aprovação urgente do projeto de reforma da Previdência.
Outro equívoco que tem se tornado comum é a afirmação de que a securitização da dívida dos agricultores junto ao Banco do Brasil, no montante de R$ 7 bilhões, representaria um custo de igual valor para o Tesouro Nacional.
Há que se esclarecer que a dívida não foi perdoada, mas sim renegociada a juros de 3% ao ano mais a variação do preço mínimo. O custo para o Tesouro será a equalização das taxas de juros, representada pela diferença entre o custo de captação do Banco do Brasil e a taxa de juros acordada na renegociação (3% ao ano mais variação do preço mínimo). Dessa forma o custo fiscal vai depender da taxa de captação do Banco do Brasil ao longo dos próximos anos.
O que se pode afirmar com certeza é que esse custo deve ser decrescente ao longo do tempo em virtude da flexibilização gradual da política monetária e da queda da inflação, que reduz as taxas de juros nominais, reduzindo, portanto, o custo de captação do Banco do Brasil.
Estimativas conservadoras calculam o custo médio anual da operação na faixa de R$ 180 milhões, o que parece razoável para refinanciar mais de 200 mil pequenos e médios produtores (lembre-se que o valor de refinanciamento é de, no máximo, R$ 200 mil por pessoa, ou seja, os grandes devedores não foram beneficiados pela medida).
O terceiro equívoco, que tem ocasionado inúmeras manchetes e críticas fervorosas ao governo, decorre da confusão que se faz entre as operações de redesconto e o seu custo para a sociedade. Ou seja, tem-se dito que o montante das operações de redesconto dos bancos que foram liquidados ou estão sob o Regime de Administração Especial Temporária (Raet) não seria mais recuperado, representando assim o custo dessas operações para a sociedade. Isso não é correto.
As operações de redesconto são efetuadas pelo Banco Central para suprir deficiências temporárias de caixa de instituições financeiras que sofram a perda de uma grande parcela dos depósitos em um curto espaço de tempo.
Como o ativo do banco está comprometido com empréstimos de prazo mais longo do que os depósitos que recebe, esse ativo não pode ser transformado imediatamente em moeda. Quando a perda de depósitos se torna muito grande e ocorre a intervenção do Banco Central, este fica com o direito de receber os créditos do banco em intervenção na medida em que estes sejam liquidados nos seus respectivos vencimentos.
Dessa forma, ao longo do tempo, com a realização dos ativos do banco em intervenção, o BC recupera os empréstimos que foram feitos, por meio do redesconto, para o banco honrar a retirada de recursos de seus depositantes. Se existir algum custo para o governo e para a sociedade, este só será conhecido após a realização de todos os ativos do banco em intervenção, na hipótese de que parcela desses ativos não seja recuperada. Sempre é bom reforçar que tudo isso é feito para defender os depositantes.
O quarto equívoco tem ligação direta com o anterior. Chegou-se a noticiar que a deficiência patrimonial do Banco Nacional, por ocasião da intervenção do Banco Central, poderia alcançar quase R$ 10 bilhões, representando esse valor o custo (ou o "rombo") potencial para a sociedade. Tal estimativa é absurda.
Dados de balanço do Banco Nacional do final de outubro mostram que o total das operações de crédito mais arrendamento mercantil era de cerca de R$ 8,6 bilhões. Considerando que, em princípio, essas contas do ativo são as de maior interesse para se definir uma eventual deficiência patrimonial, tem-se que, na hipótese exagerada de que 100% de todas as operações de crédito e arrendamento mercantil do Banco Nacional não venham a ser recuperadas, haveria um rombo máximo de R$ 8,6 bilhões. A projeção mais exageradamente pessimista ainda é menor do que o chute irresponsável de R$ 10 bilhões.
As discussões sobre os efeitos e os méritos de medidas de política econômica devem ser estimuladas, para que se tenha a absoluta convicção dos objetivos dessas medidas e dos seus custos. Contudo, a falsa interpretação de conceitos e de números deve ser evitada, para que não se cometa o erro de estimular idéias absurdas.

JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS, 51, pós-doutorado em economia pela Universidade de Yale (EUA), é secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

MANSUETO F. DE ALMEIDA JUNIOR, 28, mestre em economia pela Universidade de São Paulo, é coordenador de Política Monetária da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

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