São Paulo, quinta-feira, 21 de dezembro de 1995
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Tequila, orloff e caipirinha

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

John Kenneth Galbraith observou, certa vez, que o humor é um sintoma da nossa capacidade de tomar distância em relação aos temas que abordamos e que esse distanciamento é de considerável utilidade científica. "Ao considerar o comportamento econômico", escreveu, "o humor é especialmente importante, uma vez que grande parte desse comportamento é infinitamente ridículo".
As reações no Brasil ao colapso do programa mexicano, que completou um ano ontem, foram, muitas vezes, uma ilustração perfeita dessa tese. Os economistas brasileiros, em especial, muitos dos quais passaram anos apontando o México como exemplo para o Brasil, deram um espetáculo à parte.
Lembro-me, por exemplo, de um depoimento no Senado de um dos atuais diretores do Banco Central, poucos dias depois do início da crise mexicana. O México, segundo ele, avançara bastante no processo de estabilização: "Há evidentes sinais de consolidação da estabilização. (...) Apostaria que não veremos a inflação mexicana voltando a 20 e poucos por cento ao ano."
E ainda acrescentou: "Acredito que a turbulência mexicana será sentida ligeiramente (sic) na Argentina, mas acho que o plano argentino se encontra com base muito sólida também (...). Parece incrível, mas são palavras textuais, retiradas das notas taquigráficas do referido depoimento.
No pólo oposto, economistas da oposição, impressionados com a violência da crise mexicana, enxergavam no início do ano cenários catastróficos para o Brasil e o planeta. Alguns anunciavam uma repetição da crise mundial de 1929. Outros chegaram a marcar data para o esgotamento das reservas brasileiras e a proclamar, com indisfarçada satisfação, o fim do Plano Real.
Pelo visto, estavam todos de porre. Se a memória do brasileiro não fosse tão curta, a reputação da nossa futurologia econômica seria ainda pior do que já é.
O "efeito tequila acabou sendo muito mais intenso do que previam os defensores do modelo mexicano. Em compensação, a sua duração foi mais curta do que fazia crer o princípio de pânico que se instalou no mercado financeiro internacional no início de 1995.
O Estado nacional americano veio em socorro do mercado globalizado e ninguém reclamou da interferência. A megaintervenção comandada pelo governo Clinton evitou que o México entrasse em moratória e a calma foi se restabelecendo a partir de abril/maio.
Naturalmente, as operações de socorro financeiro não eximiram o México e a Argentina de um doloroso processo de ajustamento. Reduzido à condição de pedinte internacional, o México teve que aceitar, entre outras coisas, que as suas exportações de petróleo servissem de garantia para o empréstimo fornecido pelos EUA.
Pior, a redução do desequilíbrio externo foi obtida à custa de recessão, desemprego, queda dos salários e graves dificuldades no sistema bancário. Em 1995, segundo estimativas do governo mexicano, a queda do PIB foi da ordem de 6% e a taxa de inflação aumentou para cerca de 50% ao ano.
A Argentina conseguiu preservar a lei de conversibilidade, mas teve que enfrentar recessão, elevação dramática do desemprego e crise bancária. A taxa de desemprego subiu para quase 20% e o PIB registrou queda estimada em 2,5% em 1995. A deterioração só não foi maior porque a Argentina pôde expandir fortemente as suas exportações para o Brasil, graças ao Plano Real e ao Mercosul.
O Brasil acabou sofrendo menos com o "efeito tequila", não tanto por méritos nossos, mas porque embarcamos bem mais tarde na canoa furada da estabilização com âncora cambial, abertura radical às importações e dependência de capitais voláteis. De qualquer maneira, o empenho da equipe econômica brasileira em aplicar esse modelo, a partir de julho de 1994, foi de tal ordem que o Brasil não poderia escapar incólume.
Todos os problemas econômicos que dominam o noticiário neste final de ano -desemprego, crise bancária, déficit público- estão relacionados, em grande medida, à forma como o governo brasileiro reagiu à crise mexicana, em especial ao apego excessivo à âncora cambial e à consequente necessidade de reequilibrar o balanço de pagamentos via juros altos e recessão.
As finanças públicas pagaram um preço elevado pela forma escolhida para ajustar o desequilíbrio das contas externas. A recessão afetou adversamente as receitas tributárias, aumentou os saques do FGTS e as despesas com o seguro-desemprego. As taxas de juros extravagantes ampliaram o custo da dívida interna da União, dos Estados e dos municípios.
Com o passar do tempo, foram se avolumando as demandas de alívio tributário e auxílio financeiro da parte de setores com poder de pressão e duramente atingidos pela política macroeconômica do governo federal, como a agricultura, os Estados e, notadamente, o sistema bancário.
Na medida em que o governo foi sendo levado a ceder a essas pressões, cresceu a percepção de que a base fiscal do programa de estabilização estava sofrendo uma erosão perigosa. O período de transição no qual o Real ficaria temporariamente sustentado por juros altos e câmbio deprimido vai sendo prorrogado indefinidamente.
Paradoxalmente, os mecanismos transitórios, cuja justificativa original era dar tempo até que se superassem os problemas financeiros do governo, vêm contribuindo para agravá-los e para retardar a consolidação da parte fiscal do programa de estabilização.

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