São Paulo, quinta-feira, 21 de dezembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O Banco Central e a crise bancária no Brasil

JOSÉ W. ROSSI

O sistema bancário desempenha uma importante função na economia, pois facilita, com a intermediação financeira, a ligação entre poupadores e investidores, contribuindo, assim, para a maior eficiência da economia.
Com altas taxas inflacionárias diminui, todavia, a contribuição do setor bancário à atividade econômica, já que os bancos passam a ser meros coletores do imposto inflacionário representado pela perda no valor dos depósitos à vista, devido à corrosão inflacionária.
Até recentemente, a atividade bancária era um lucrativo negócio no Brasil. O crescimento do setor nos últimos dez anos foi realmente espetacular. Enquanto até meados da década passada havia em torno de cem bancos no país, esse número saltou para cerca de 250 hoje.
Por outro ângulo, a participação do setor bancário na economia chegou, em 1994, a cerca de 13% do PIB, número extremamente elevado se comparado com o resto do mundo, onde esse percentual fica geralmente em torno de 6%.
É bom ressaltar que o crescimento do setor bancário deu-se em detrimento de outros setores da economia. Houve, de fato, a mera transferência de renda, vinda principalmente dos depositantes. A intermediação bancária com fins produtivos simplesmente não existiu. Aos bancos bastava aplicar nos papéis do governo, com risco nulo, e devolver no dia seguinte o dinheiro do depositante corroído pela inflação. Um tipo de intermediação certamente contraproducente. É claro que esse esquema só era tolerado por favorecer o próprio governo, que dependia dos bancos para rolar a sua dívida.
A postura firme do BC (Banco Central) para com os bancos comerciais é um importante ingrediente para evitar crises no setor.
Um episódio da Grande Depressão americana de 1929 deve servir, nesse particular, como ensinamento. O renomado economista americano Milton Friedman (Prêmio Nobel de Economia) sugere, por exemplo, que a falta de ação do banco central (Federal Reserve -Fed) naquele evento agravou sobremaneira o quadro da crise.
Por uma simples razão: antes de 1929, o Fed socorria, como emprestador de última instância, os bancos privados em dificuldade. Com a corrida bancária de 1929, porém, retirou-se de ação, deixando os bancos entregues à própria sorte, o que certamente tornou a crise muito mais dramática.
Enquanto nos Estados Unidos a crise de 1929 foi agravada por uma ação do Fed que deixou de existir, parece que no Brasil percorre-se o caminho inverso. Da falta de ação do Banco Central, durante o período de alta inflação, partiu-se para um excesso de intervenção durante o Plano Real. Em ambos os casos, é deletério o papel do Banco Central.
A falta de uma ação firme do Banco Central durante o período de alta inflação decorria do fato de o próprio governo depender dos bancos privados para colocar os seus papéis. O mecanismo da zeragem automática, por exemplo, permitia aos bancos obter ganhos sem incorrer em risco.
Com a queda da inflação e a consequente perda de receita do imposto inflacionário pelos bancos comerciais, o BC, em vez de lhes permitir alguma folga, aumentou ainda mais o compulsório sobre os depósitos à vista e outras aplicações mais. O resultado não poderia ser outro senão a crise no setor.
Assim, a crise bancária atual decorre, em boa medida, da pouca habilidade demonstrada ao longo dos anos pelo BC. Os recursos retirados com uma mão (aumento do compulsório) são agora devolvidos com a outra, por meio do socorro ao setor -e, pior, com efeitos extremamente danosos à economia, dada a generalizada desconfiança que se abateu sobre o setor.
O rombo que essa política traz aos cofres do governo é hoje, seguramente, a maior dúvida que paira sobre o Plano Real. O argumento de que os bancos já ganharam muito e devem pagar, pois, o preço pelas mazelas do passado parece equivocado, pois essa crise agora não é apenas do setor bancário, mas de todos nós.

Texto Anterior: Tequila, orloff e caipirinha
Próximo Texto: Mercado dos EUA aprova novos juros
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.