São Paulo, quinta-feira, 21 de dezembro de 1995
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Só revolução resolve miséria, diz Niemeyer

Arquiteto fala do Rio em entrevista exclusiva à Folha

SILVIO CIOFFI
EDITOR DE TURISMO

O carioca Oscar Niemeyer, que completou 88 anos no último dia 15, acredita que só uma revolução poderia resolver os problemas da miséria e da violência no Rio.
Mas confessa que em seu "museu particular" -que é como escritor francês André Malraux, seu amigo, se referia à lembrança das coisas que mais havia apreciado- o Rio ocuparia uma sala maior do que Brasília, a capital que ajudou a criar.
Arquiteto de formas inconfundíveis e idéias comunistas, Niemeyer recebeu a Folha em seu estúdio na avenida Atlântica:

MELHOR E PIOR DO RIO
O lado bom do Rio é a natureza fantástica, o povo que é alegre e descontraído, aceita e vive a vida como ela é.
O lado ruim é a miséria que se alastra por toda a cidade, exigindo uma solução, com nossos irmãos trepados em barracos pobres, olhando a cidade dos ricos como uma miragem a seus pés.
E a solução não está nas brigas políticas de superfície, mas na revolução; a revolução que não pode ser feita agora.
É, aliás, difícil falar em soluções para numa cidade como o Rio, que cresceu sem controle.
As cidades italianas têm 300, 400 ou 500 mil habitantes e são ótimas para viver.
No Rio, o ruim foi crescer desordenadamente, sem prever garagens, com os prédios que subiram demais, agravaram a densidade.
REAGE RIO
Fui à passeata Reage Rio porque me convidaram. Queriam que fosse num carro, mas preferi andar no meio das pessoas.
A caminhada não foi propriamente um protesto, mas uma advertência sobre o que está acontecendo, sem solução.
Enfim, o problema da miséria é grave e uma pessoa com um pouco de sensibilidade não pode se sentir feliz diante disso.
A cidade não tem a unidade que seria necessária. Mas isso acontece em todas as grandes metrópoles: o mal é crescer demais.
COTIDIANO CARIOCA
Meu neto Cadú, que mora na Barra, me telefona constantemente do seu celular dizendo que está preso no trânsito.
E mais aflitos ficarão os moradores dessas áreas com a construção, nos próximos anos, de outros blocos de apartamentos.
INFÂNCIA
Eu, que nasci no bairro de Laranjeiras, numa rua que depois tomou o nome do meu avô Ribeiro de Almeida, lembro com saudades dos velhos tempos, da rua íngreme onde jogávamos futebol, da casa assobradada em que morávamos.
Em casa havia uma extensa mesa de jantar compartilhada por meus avós, meus tios, pais, pela minha prima e seus filhos.
A família comentava feliz, na varanda, os fatos do dia. Era uma família com missa em casa, católica, cheia de preconceitos. E lembro como tudo esqueci diante do problema da miséria.
Meu avô era ministro do Supremo Tribunal Federal e eu gostava do seu ar severo, do seu desprezo pelas coisas materiais.
Deixou para seus quatro filhos apenas a casa em que morava.
Vinha de Maricá, de uma família burguesa, curiosa, voltada para as coisas da arte e da cultura.
Minha mãe pintava naturezas-mortas e meu pai, quando jovem, tocava violino. Minhas irmãs tocavam piano e violão.
Tínhamos dois pianos em casa. Nos saraus daqueles velhos tempos havia música, declamação e danças. Eu, que era garoto, achava aquelas festas chatíssimas.
TEMPOS ANTIGOS
Gostava de andar pelas ruas do Ouvidor e Gonçalves Dias, de olhar vitrinas e as moças que passavam, tomando um café ou um chope no bar Americano.
Mas o nosso ponto preferido era o café Lamas, no largo do Machado. Aí nos reuníamos todas as noites para jogar bilhar e conversar fiado, rindo felizes.

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