São Paulo, quinta-feira, 21 de dezembro de 1995
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Só a revolução resolve miséria, diz Niemeyer

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SILVIO CIOFFI

"O mal do Rio foi ter crescido demais"

Depois eram os cinemas na avenida Rio Branco e a Lapa, onde ouvíamos música e admirávamos as mulheres alegres, quase nuas.
Íamos a Copacabana de bonde. Havia pouca coisa aqui: casas, o hotel, a praia impecável, linda e a areia que chiava sob os pés.
AMIGOS E A ARQUITETURA
Não dou maior importância à arquitetura, o importante é a vida, os amigos, esse mundo injusto que devemos melhorar.
Falando de minha vida de arquiteto, a construção do Ministério da Educação, em 1936, foi importante porque divulgou os princípios da arquitetura contemporânea.
Já com Brasília, inaugurada em 1960, a arquitetura brasileira ficou conhecida como uma arquitetura livre, baseada na técnica apurada.
TEMPOS MODERNOS
A construção do Aterro do Flamengo valorizou a entrada do Rio.
A urbanização da Barra, projeto de Lúcio Costa, também prolongou a cidade naquela direção.
Tempos atrás as favelas eram menores, diferentes. O samba nasceu nas favelas e havia simpatia com os que lá moravam. Não havia miséria total, nem os problemas que a droga vai provocando.
Também não havia tanta criança na rua. Hoje o clima é grave, de assalto e sequestro.
O problema todo é a miséria e não adianta uma solução paternalista, nem intervir arquitetonicamente na favela.
A favela é resultado de um problema que começa no campo e acaba nas cidades.
A MUDANÇA DA CAPITAL
O impacto da mudança da capital do Rio para Brasília foi grande e Juscelino tinha razão. As cidades em volta de Brasília também enfrentam o progresso.
A idéia dele de levar a capital para o interior do país, ao Planalto Central, era válida.
Mas o Rio de Janeiro realmente ficou desmerecido e esquecido.
VISITANTES
Os estrangeiros que vinham tempos atrás para o Rio sempre achavam a cidade aprazível. Apreciavam as praias e a natureza.
Agora eles continuam achando a cidade bonita, mas já ficam impressionados com o problema social, com os contrastes, se assustam com os assaltos, as recomendações que recebem nos hotéis.
Mas não há quem não se impressione com o Rio, suas praias e florestas. E quem chega de barco, ou mesmo de avião, vê logo como a circunstância geográfica é fantástica, que a cidade resiste.
PASSEIOS E SONHOS
Sempre gostei do Jardim Botânico. Quando era estudante ia lá com minha filha e, como gostava de desenhar, levava um caderno. Ficava olhando aquelas plantas e, com poucos traços, queria definir a vegetação, as palmeiras imperiais, os espaços sombreados. Acho até que é melhor passear lá do que na praia.
Pensando livremente, como num sonho ou fantasia, seria ideal se a cidade tivesse sido construída longe do mar e que entre a cidade e o mar ficasse uma área reservada quase que como sagrada. Seria um espaço fantástico.
O CAOS NAS METRÓPOLES
Os homens sempre escolheram locais mais bonitos para erguer suas casas e assim nasceram os primeiros povoados.
A princípio pequenos e modestos, sem perturbarem a natureza. Mas passaram os tempos e os povoados se transformaram nas grandes cidades e a densidade demográfica criou o caos.
Essa é a situação do Rio e de São Paulo. Tentam intervir na circulação, apelam para o metrô, túneis e viadutos, mas por onde passa tudo isso ficam as cicatrizes.
Daí minha preferência pelas cidades pequenas, multiplicáveis.
Até que o prefeito se esforça, tenta resolver problemas, realizar.
Gostei do governo de Brizola, que fez a Linha Vermelha e construiu 500 Cieps. Nessas escolas o que mais importa é a concepção pedagógica de Darcy Ribeiro.
NOVOS PROJETOS
Os projetos que me preocupam agora são o da Associação Luso-brasileira, em Lisboa, obra idealizada por José Aparecido de Oliveira, o museu de Niterói (RJ), o museu de Arte de Brasília, o auditório no parque Ibirapuera (SP).
Acredito que o projeto da praça 15, que não é um projeto, mas um estudo ainda superficial da praça e de seus arredores, devolveria à praça sua escala original, socorrendo o Paço Imperial, que até hoje lá está, sozinho, diante de edifícios de má arquitetura.
Fazer a cidade mais bonita e acolhedora é dever do arquiteto.
PRESERVAÇÃO
A natureza do Rio é fantástica, mas poderia ser mais preservada.
A praia de São Conrado era linda, com a vegetação a descer das montanhas até o mar! Um espaço agora substituído por inefáveis blocos de concreto.
E como seria bom se construções ditas provisórias não invadissem Copacabana, quebrando a curva belíssima que a caracteriza.

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