São Paulo, quinta-feira, 21 de dezembro de 1995
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Carioca não dá a mínima para tesouros da cidade

JORGE CALDEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O centro do Rio de Janeiro tem uma peculiaridade única entre as cidades brasileiras: é o único pedaço urbano do país onde a história se dispõe em camadas.
Ali se misturam tesouros coloniais, como o Mosteiro de São Bento, lembranças do século 18, como o Aqueduto da Lapa -sem falar na imensa quantidade de construções imperiais e nas obras republicanas que vão da belle époque aos monstros de concreto do tempo da ditadura, além de arranha-céus no estilo escritório de vidro e aço.
É justamente essa mistura que dá a esse pedaço uma aura que lembra a de cidades européias: podem-se visitar cinco séculos de história brasileira andando a pé.
Em poucas horas, é possível ver o lugar onde desembarcou d. João 6º em 1808 (o chafariz de Mestre Valentim, antes na beira da água e hoje plantado no meio do asfalto da praça 15), o prédio onde d. Pedro 1º e d. Pedro 2º foram aclamados (no Paço, ao lado da praça 15), a rua da moda do século 19 (a rua do Ouvidor, que começa no Paço), tomar um chá na confeitaria que reunia os intelectuais da virada do século (a confeitaria Colombo).
Depois, é dar uma passada pelo teatro onde estreou Arturo Toscanini e Sarah Bernhardt arrebentou sua perna (Teatro Municipal, na Cinelândia), visitar ali mesmo a maior coleção de arte brasileira do Século 19 (Museu de Belas Artes) e a Biblioteca Nacional.
Para os que gostam de aventuras mais fortes, é possível circular pelos casarões da Lapa e do Estácio ou, melhor ainda, percorrer o simpático trecho de habitações antigas da Gamboa e da Saúde. Neste caso, no entanto, recomenda-se fortemente ao candidato para andar apenas com material que pode ser descartado sem muitas dores num assalto.
Para os corajosos, há muito de tudo. O centro do Rio de Janeiro tem tantas construções coloniais quanto Parati (e algumas tão ricas quanto as melhores de Ouro Preto ou Salvador), mais monumentos imperiais que qualquer outro lugar do Brasil e tantos prédios modernos quanto São Paulo.
O grande problema desse encantador pedaço de cidade é não ser muito amado pelos próprios cariocas. Eles parecem não ligar a mínima para os tesouros escondidos que jazem por ali.
Não espere encontrar uma única placa alusiva (do tipo: neste local moraram a marquesa de Santos e, posteriormente, o visconde de Mauá, que ficaria bem na casa que ambos ocuparam na rua D. Pedro 2º, em São Cristóvão), nem orientação, informações e horários em guias. Eles não existem.
Assim, as eventuais visitas além dos pontos mais conhecidos, que são muitos, se tornam acessíveis apenas para os conhecedores mais apaixonados ou insistentes. Visitar a ilha Fiscal do famoso baile, por exemplo, só com um amigo da Marinha que se convença de que você não é uma ameaça para a segurança nacional.
É uma pena. Além de atraente, o centro do Rio de Janeiro é um dos poucos lugares da cidade onde se pode comer bem em locais de aparência mais que suspeita (exemplo: cavaquinhas ou polvo com arroz e brócolis nas paredes laranja e verde do Senta Aí, ao lado da estação da Central).
Em todo caso, já que há tanta gente disposta ao turismo de aventura, por que não tentar elevar a adrenalina num passeio que tem mistério, desconhecido e muita beleza?

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