São Paulo, sexta-feira, 22 de dezembro de 1995
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Violência da cidade é referência

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma das referências mais constantes da nova dramaturgia é certamente a temática urbana e, com ela, a violência.
Bosco Brasil confirma a tendência. Desde uma primeira peça experimental, ainda no Espaço Off, no fim dos anos 80, o que interessa ao autor é a temática urbana.
Diz ele, "não consigo me ver em outro meio que não a cidade grande". E não consegue escapar da violência da cidade.
"Sempre foi uma obsessão minha, não sei dizer por quê. Talvez tenha a ver um pouco com o fato de eu ter estudado num colégio no centro da cidade. A impressão que se tinha era que a violência era maior no centro. Hoje acontece o inverso."
Hoje a violência é maior na periferia, como espelha "Atos e Omissões", assustadoramente. É o que ocorre com Pedro Vicente, autor de uma única peça, por enquanto, "Banheiro" (95), que ele descreve como de tema "completamente urbano", em que a violência está sempre presente.
"A violência, em superexposição de imagem, em superoferta, mexe com a moral das pessoas e passa a ser uma coisa comum. Ela está na conversa, as pessoas falam da violência, e a violência acontece. E as situações são violentas, mas elas são vividas com passividade."
A escritora Patrícia Melo, co-autora da peça "Duvidae" (92), é quem pode trazer o tema ao teatro, talvez, com maior clareza, por sua ligação com a obra do escritor Rubem Fonseca.
"O Rubem é uma influência para todo autor da minha geração. Ele é uma referência de literatura urbana no Brasil. O Rubem, de certa forma, foi o autor que quebrou, que rompeu com a tradição da literatura regional no Brasil."
"Duvidae", sobre um processo do Santo Ofício no século 17, esteve longe do tema. Mas é outro o caso de "Duas Mulheres e um Cadáver", que ela considera seu melhor texto para teatro, ainda não montado. Na nova peça, "a questão central é a obsessão pela morte, a dificuldade de aceitá-la". Estão presentes duas mulheres, um psiquiatra, um triângulo amoroso, o crime.
Rubem Fonseca é referência para outros autores novos, como Luiz Cabral, que adaptou "O Cobrador", e talvez Daniela Thomas, co-roteirista de "Terra Estrangeira", filme com elementos da obra do escritor.
Mas Daniela Thomas, no teatro, segue caminho diverso. Na descrição de Bete Coelho, protagonista de "Pentesiléias" (94), "o texto da Daniela é carregado de intuição, de emoção". A própria autora vê assim. A exemplo de Beatriz Azevedo, é a paixão que ela leva ao palco, ou pelo menos foi o caso, na sua primeira peça.
Lembrando o trabalho anterior com a Cia. de Ópera Seca, Daniela diz que "as coisas eram vividas exageradamente nos bastidores das peças, mais do que no próprio teatro que a gente fazia. O teatro era seco e os bastidores eram úmidos. Aí eu procurei escrever sobre isso, a paixão."
A autora não gosta do nome, "paixão é uma palavra que é suja pelo uso", preferindo falar em "descontrole emocional, essa coisa aquosa e voluptuosa, que não teme e fica saindo da gente, a gente não consegue controlar".
Isso foi "Pentesiléias", sobre o mito clássico. Agora ela prepara nova peça, sugerida por Bete Coelho, a partir do "Banquete" de Platão.
Embora acredite que a peça vá resultar diversa da anterior, ela mesmo lembra que "o tema do 'Banquete' é, também, o amor".
A história e os mitos clássicos, que serviram a Otavio Frias Filho em "Tutankaton", a Beatriz Azevedo em "Fedra" e "Abelardo", a Patrícia Melo em "Duvidae", a Daniela Thomas em "Pentesiléias", também alcançaram o teatro popular de Hugo Possolo.
O autor diz que, "por exemplo, 'Sardanapalo' não veio à minha cabeça por acaso, mas por causa do meu envolvimento com a história, pela consciência da importância que a história tem".
Ele escreveu "Sardanapalo" (93), sobre Alexandre, o Grande, e o recente "Zérói" tendo como paralelo maior a cultura popular e nacional, o que muitas vezes é sinônimo de cultura regional.
Diz ele, "eu sei onde eu estou localizado, tanto geograficamente, quanto historicamente, e eu busco responder a estes anseios que são pessoais e também sociais".
Pode não ser o caso do paulistano Hugo Possolo, mas este teatro de característica popular, levado ao extremo, se opõe à temática urbana.
É o que pode acontecer com a nova dramaturgia de Romero de Andrade Lima, ou ainda, com Antônio Nóbrega e Bráulio Tavares, que escreveram juntos "Brincante" (92) e "Segundas Histórias" (94). Bráulio Tavares nega o regionalismo, e comenta Ariano Suassuna. "Tanto eu quanto Nóbrega, a gente é muito influenciado por Suassuna. Agora, Ariano tem o universo dele, que é aquele universo sertanejo. Eu sou um cara que a minha cultura é envenenada por filme de Hollywood."
Ele sublinha que Tonheta, personagem criado por Antônio Nóbrega para as peças, é como Carlitos, dos filmes de Charles Chaplin.

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