São Paulo, domingo, 24 de dezembro de 1995
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Rede de intrigas interativas

DA "AMERICAN CINEMATOGRAPHER"

O conceito é novo, ousado e controvertido: pegue um computador, dote-o de um banco de dados com informações sobre uma história e deixe-o apresentá-la à sua própria maneira. A história pode ser apresentada de diversos pontos de vista, com personagens diferentes e ritmos variáveis.
Uma das formas mais promissoras de construção de narrativas desenvolvida no projeto Filmes do Futuro, do MIT, é o filme multirramificado, no qual uma história progride ao longo de várias linhas de ação simultâneas. Criam-se vários ramos que se cruzam no curso da história; o filme torna-se uma enorme e complexa rede interativa.
"Short Cuts", de Robert Altman, é um filme tradicional que poderia ser comparado ao filme multirramificado. Altman entrelaçou várias histórias para formar um filme linear. Mas foi o diretor que decidiu em que ponto cortar uma história da outra. No filme multirramificado, o computador faz os cortes seguindo as instruções do realizador.
Mas a influência do computador vai além. A cada nova apresentação do filme, o computador pode determinar ou selecionar a estrutura básica da história. Ele tem à sua disposição literalmente milhares de clipes de imagem, som e música, a partir das quais pode montar suas próprias sequências. As relações entre os caracteres (e mesmo o número destes) podem mudar conforme a versão da história que o computador decide contar.
A inteligência do computador é implantada pelo diretor. O trabalho criativo do roteirista, do diretor, do editor e do fotógrafo fica armazenado no "story engine" (máquina de histórias), o software que permite que o computador faça suas escolhas. A tarefa da equipe de realização é a de conceber a história, reunir todas as suas unidades básicas e criar um mapa para a orientação do computador. É o que se chama "knowledge representation" (representação de conhecimento).
"A 'representação de conhecimento' deve se tornar a base para um agente computacional que se encarregará de montar a história para o espectador, diz Glorianna Davenport. "O computador sabe como funcionam os vários elementos da história. Ele sabe o que é uma 'cena' e o que é um 'enredo'".
Para realizarem filmes multirramificados, os cineastas precisarão de novas ferramentas. Kevin Brooks, doutorando no Grupo de Cinema Interativo, está desenhando uma série de ferramentas de redação e apresentação, que batizou de "Agent Stories". Sua meta é criar uma série de softwares para a criação e apresentação de filmes multirramificados.
"Agent Stories" divide-se em vários módulos. O primeiro, chamado de "Structural Environment", lida exclusivamente com a estrutura da história, despida de qualquer conteúdo. Há seis elementos: apresentação do narrador, apresentação dos personagens, conflito, resolução, diversificação (elementos diversos adicionados à trama movida pelo conflito) e o final.
Combinando esses seis elementos, o roteirista estabelece estruturas possíveis para a história; cabe ao software usá-las para a apresentação final. "As várias estruturas representam gêneros narrativos diferentes", diz Brooks. "Por exemplo: pode valer a pena começar com a apresentação do narrador, para que você saiba algo do cenário e do primeiro problema. Mas se você colocá-la como terceiro elemento, você terá algo como um filme de mistério. Ou talvez você queira deixar o narrador para o fim, de modo a não saber quem está contando a história. Outra opção é colocar o final no começo -'Proposta Indecente' começa assim."
Ao conceber uma história passível de ser reembaralhada e contada de diferentes maneiras, o roteirista precisa de um ambiente de trabalho no qual cada elemento da história possa ser definido e descrito com precisão. O ambiente de trabalho usado em "Agent Stories" baseia-se numa ferramenta de "representação de conhecimento" criada por um outro aluno de Davenport, Michael Murtaugh.
O software "ConArtist" (abreviatura de "Concept Artist") já foi utilizado em várias experiências com novas formas narrativas: ele permite que o roteirista reduza uma história a seus conceitos e relações subjacentes. É nesse nível que o cineasta transmite seu "conhecimento" para os personagens e para os elementos audiovisuais que formarão a história.
No "Agent Stories" de Brooks, o "ConArtist" é usado para associar um clipe a um personagem. Um clipe é qualquer unidade de informação que ajude a definir um personagem. Cada personagem pode ter um número qualquer de clipes; quanto mais clipes estiverem associados a ele, tão mais complexo será o personagem e tantas mais opções terá o computador ao contar a história. Os clipes têm ligações entre si: "Você pode ligar clipes instruindo o computador a incluir um certo clipe antes ou depois de algum outro ou então a incluir um clipe se um certo outro clipe também o for", explica Brooks.
Uma tarefa importante para o roteirista é cuidar para que cada clipe inserido no "ConArtist" apoie ou se oponha à idéia básica de um outro clipe, pois é por essa via que se insere o conflito no banco de dados que abastece o "story engine".
"Quando há pontos de vista opostos, tudo fica mais claro", diz Brooks. "Você tem dois personagens que, ao menos num momento dado, opõem-se um ao outro. A informação fornecida pelo autor ao descrever a cena determina como o espectador entenderá o que se passa no resto do filme. Todos os elementos de uma história linear tradicional são introduzidos por meio do 'ConArtist'. Essa ferramenta procura reter tudo o que o roteirista sabe sobre a história. Ele vai aos poucos montando uma complexa rede de clipes."
Para Brooks, o "Agent Stories" não faz mais que seguir o processo natural de criação de filmes. "O processo de redação é não-linear por natureza", diz ele. "O que estou querendo fazer é montar personagens a partir de vários tipos de conexões. O sistema navega pelo banco de dados, que armazena essas conexões e a partir daí cria uma história linear."
Uma vez concluído o processo de criação da história, o "Agent Stories" passa ao estágio de apresentação. É aqui que entram em ação os "estilos de direção", isto é, quando os "agentes" do software assumem o comando. Explica Brooks: "Os agentes do software têm seus próprios estilos de comportamento face a cada tipo de situação. É assim que o agente escolhe tal ou qual clipe e navega pelo banco de dados".
Até agora, Brooks já criou cinco agentes em seu protótipo de sistema: Bob, Carol, Ted, Alice e Isadora. Cada um tem seu próprio estilo narrativo e cada um deles determina -em tempo real, "no calor da hora"- que rumo a história deve tomar.
"Cada um dos agentes escolhe um ponto de vista central", continua Brooks. "Bob é o tipo de agente que faz de tudo para confirmar seu ponto de vista. Uma vez tendo selecionado um ponto de vista central, ele sairá à procura de outros pontos de vista favoráveis. Ele somará isso tudo à sequência e escolherá os outros elementos apropriadamente.
"Carol, por outro lado, é uma agente muito parcial. Ela escolhe um ponto de vista e então faz o possível para invalidar pontos de vista divergentes. Seu estilo é o da propaganda política e dos comerciais. Ted é um agente imparcial, estilo 'ponto, contraponto'."
Como o próprio Brooks admite, há uma forte tentação a criar agentes à imagem e semelhança de grandes diretores, um "agente Hitchcock" ou um "agente Welles". Mas, diz ele, "ainda estamos longe disso".

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