São Paulo, domingo, 24 de dezembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A misteriosa luz do Natal

RONALDO ROGÉRIO DE FREITAS MOURÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os mais diversos fenômenos astronômicos e meteorológicos já foram sugeridos para explicar a natureza da estrela de Belém, o sinal luminoso visto pelos Reis Magos quando do nascimento de Cristo: auroras, relâmpagos globulares (bolas de fogo), luz zodiacal, meteoros, chuva de meteoros, o planeta Vênus (estrela vespertina ou matinal), estrelas variáveis (especialmente as do tipo semelhante a Mira Ceti), a estrela Canopus, cometas, novas e supernovas.
Analisando registros chineses de cometas, verificou-se que é inaceitável a tese de que ela tenha sido o cometa Halley. Tal hipótese exigiria um erro de 11 anos na data atribuída ao nascimento de Jesus Cristo, pois a passagem desse cometa deu-se em 25 de agosto do ano 12 a.C., quando astrônomos chineses assinalaram sua presença na constelação dos Gêmeos.
Os outros dois cometas registrados nos anais chineses apareceram, respectivamente, em março do ano 5 a.C., na constelação de Capricórnio, e em abril de 4 a.C., na constelação de Águia, todos os dois tarde demais. É pouco provável que tenha sido um cometa.
Apesar de ser geralmente representada nos presépios como cometa, é mais provável que somente duas hipóteses, a de uma estrela cataclísmica ou de uma configuração planetária especial, possam sobreviver no contexto misterioso que sempre envolveu a mais bela das festas cristãs.
Para os astrônomos britânicos David H. Clarck e John H. Parkinson, do University College de Londres, e Francis Richard Stephenson, da Universidade de Newcastle, a estrela de Belém deve ter sido a brilhante nova, registrada por astrólogos chineses na primavera de 5 a.C. Isso não entra em contradição com o provável ano de nascimento de Jesus, que, segundo peritos católicos, deve ter ocorrido entre 5 a.C e 7 a.C.
Ao prever a conjunção tríplice de Júpiter e Saturno para o ano 1623, Johann Kepler (1571-1638) lançou a hipótese de que uma conjunção idêntica, no ano 7 a.C. na constelação dos Peixes, poderia ter sido a estrela de Belém.
Numa linguagem popular, poderíamos dizer que o fenômeno astronômico da conjunção é a aproximação aparente de dois astros. Acreditava-se, na antiguidade, que tais aproximações conjugavam as forças astrológicas específicas de cada astro.
Uma conjunção tríplice não é, como a princípio sugere o nome, uma aproximação de três planetas, mas a sucessão de três conjunções de dois planetas, num curto período. Durante a conjunção de dois astros, suas coordenadas celestes atingem valores quase idênticos num determinado instante.
Admitiu-se que, apesar da grande proximidade aparente de Júpiter e de Saturno, a distância entre eles deve ter sido superior às dimensões aparentes da Lua cheia.
Para Kepler, a conjunção não substituiu na realidade a estrela dos Magos, como lhe atribuem vários autores. Segundo concepções da época, fenômenos celestes influenciavam acontecimentos terrestres ou eram sinais deles.
Com essas idéias concordava Kepler, acreditando ter sido a tríplice conjunção um evento destinado apenas a chamar a atenção dos Magos para aquela região do céu, onde brilhou a estrela anunciadora da chegada do Messias.
Vejamos suas palavras: "Tendo sido comunicado aos Magos o aparecimento da estrela milagrosa, Deus, acomodando-se aos modos de pensar da época, teria feito com que a estrela brilhasse no momento em que ocorria uma tríplice conjunção de planetas".
Evidentemente Kepler, nesse texto, aceitou que a estrela anunciadora da vinda do Messias não constituiu uma estrela normal, mas um astro milagroso. No entanto, em outro período de sua obra, escreveu: "A estrela de Cristo tem muita coisa em comum com a nossa estrela (trata-se de uma nova de 1604), pois ambas coincidiram na época de sua aparição com uma conjunção tríplice."
Essa explicação de Kepler para o problema da estrela de Belém encontrou vários opositores, assim como não lhe faltou apoio de eminentes cientistas, dentre eles o famoso cronologista alemão Christian Ludwig Ideler (1766-1842) que, ao refazer cálculos de Kepler, deduziu que a tríplice conjunção ocorreu no ano 748 da fundação de Roma, ou seja: a primeira, em 20 de maio; a segunda em 27 de outubro, e a terceira, em 12 de novembro do 7 a.C.
Seria conveniente lembrar que a máxima aproximação entre os planetas foi de cerca de um grau, ou seja, o dobro do diâmetro aparente da Lua cheia. Era impossível, portanto, observá-los com o aspecto de um único astro, como está relatado na Bíblia (São Mateus, 2:9): "Como havíamos visto sua estrela no Oriente, nós viemos adorá-la".
Em oposição às idéias de Kepler e de Ideler, o sacerdote John Stockwell atribuiu à estrela observada pelos Magos à conjunção planetária ocorrida em 8 de maio do ano 6 a.C., quando os planetas Vênus e Júpiter se apresentaram muito próximos no céu oriental.
No século 19, o astrônomo inglês C. Pritchard, na revista da Sociedade Astronômica Real, de Londres, confirmou que uma conjunção tríplice de Júpiter e Saturno, segundo os seus cálculos, ocorreu em 29 de maio, em 29 de setembro e em 4 de dezembro do ano 7 a.C., na constelação dos Peixes, que, astrologicamente, está relacionada ao povo judeu.
Atualmente, um dos maiores defensores de que a estrela de Belém foi realmente essa conjunção tríplice é o astrônomo inglês David W. Hughes do Departamento de Física da Universidade de Sheffield, no Reino Unido.
Como não se encontrou nenhum registro do aparecimento de uma supernova tão luminosa como a descrita no Evangelho Apócrifo de São Tiago, a maioria dos estudiosos sugerem que o fenômeno tenha sido mais subjetivo que real.
Todas as hipóteses racionalistas deixam uma dúvida sobre a data de nascimento de Cristo, que os próprios peritos cristãos são unânimes em afirmar que teria ocorrido numa primavera, entre o período que vai de sete a cinco anos antes da data atualmente aceita.
Se a expressão "no Oriente", no Evangelho, segundo São Mateus, pode também significar "durante o nascer helíaco", ou seja, a estrela teria aparecido durante as primeiras luzes da aurora, por outro lado, a parte mais contraditória do relato de São Mateus está relacionada à afirmativa de que a Estrela precedeu a partida dos Reis Magos, quando eles deixaram Jerusalém rumo à cidade de Belém.
Isso significa que a estrela teria se deslocado para o sul, em vez de seguir o movimento habitual das estrelas, de leste para oeste, e teria estacionado em cima do estábulo onde estava o menino Jesus!
Tudo parece indicar que jamais se encontrará uma comprovação de qual estrela teria anunciado a chegada do Salvador. O mais lógico será acreditar num sinal luminoso divino, indubitavelmente aceito por todos aqueles que têm fé e acreditam em Cristo, pois a imaginação é mais poética e indizível que a realidade.

Texto Anterior: CARRINHOS; TUBARÃO; MOSCAS
Próximo Texto: Pesquisa pode originar tratamento para cegueira prematura em bebês
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.