São Paulo, segunda-feira, 25 de dezembro de 1995
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Mulher lidera posseiros contra quilombolas

ESTANISLAU MARIA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM ALENQUER (PA)

Ao norte do rio Amazonas, nos limites da floresta, os habitantes de um quilombo de 200 anos estão em conflito com posseiros por causa da demarcação de terras.
Os posseiros da comunidade Massaranduba já enfrentaram pelo menos três vezes neste ano os habitantes do quilombo Pacoval, em Alenquer, no oeste do Pará. A vantagem foi sempre dos quilombolas, muito mais numerosos.
Nas três ocasiões, os negros, armados com facões e instrumentos de caça, incendiaram roças dos posseiros em áreas que eles consideram do Pacoval. Não houve resistência. "Foram dois roçados meus, mais dois de outro colono e um de outro. Por enquanto, ninguém morreu", diz o posseiro Idalécio Coelho Figueira. O clima é tenso e o conflito pode ficar sério.
Massaranduba e Pacoval, antigamente, trabalhavam a terra juntos, trocavam favores e dividiam os mesmos barcos e caminhões para transporte até a cidade. Os posseiros chegaram há 26 anos na área às margens do rio Mamiá, no município de Alenquer (680 km a oeste de Belém). Durante muito tempo, tiveram um relacionamento amistoso com os negros.
Os conflitos começaram há três anos, quando os posseiros passaram a derrubar árvores em área que os negros consideram sua.
O isolamento do local dificulta o trabalho de mediação que tenta fazer o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Neste ano, houve três reuniões com os dois grupos. A última aconteceu em 19 de setembro.
A decisão final do órgão só deverá ser tomada em meados de 96. De janeiro a maio, ocorre a estação chuvosa, que inunda metade das terras. O Incra quer ter uma exata noção da área permanentemente seca para demarcar a terra.
O quilombo Pacoval e a comunidade Massaranduda estão em áreas da União. São vizinhos e ficam a 54 km do centro de Alenquer. Apesar do tempo em que estão na área, as duas comunidades não têm as terras regularizadas.
Segundo os negros do Pacoval, moram no quilombo 600 pessoas. Em Massaranduba, os posseiros dizem que são 40 famílias -cerca de 200 pessoas. Estariam na área do conflito 17 famílias.
Os negros contestam essa informação. Para eles, os posseiros não passam de 12 famílias. "Eles estão aumentando o número para impressionar o Incra", diz Manuel da Glória Souza Pedroso, um dos diretores da Associação dos Moradores do Pacoval.
Os negros afirmam que os posseiros nos últimos anos foram alargando as fronteiras de sua ocupação. "Eles invadiram a área do quilombo, ultrapassando uma picada (caminho aberto a facão na mata) que fazia o limite entre as duas propriedades", diz Pedroso.
Os posseiros rebatem dizendo que estão na área em litígio desde os anos 70 e acusam os negros de adiantar a picada. O pessoal de Massaranduba mostra um mapa topográfico com uma picada "feita pelo Incra", que, segundo eles, é a correta. "Massaranduba fez a primeira picada. Pacoval fez outra, que cruzou e deu confusão", diz o posseiro Figueira.
"Não vamos recuar para a beira do Mamiá. Lá só cabe uma família", diz Raimunda Coelho Figueira -a dona Nevita, líder de Massaranduba. "Eles estão invadindo nossa área para tirar madeira e vender em Alenquer, Óbidos e Santarém. Roçam a terra uma vez e depois abandonam", acusa o negro Eurico Viana dos Santos.
Os posseiros negam o abandono das roças, mas assumem a venda da madeira. "Só tiramos para abrir roça. Não estamos devastando", diz dona Nevita. A área é rica em madeiras nobres, como massaranduba, tatajuba e cedro. Os brancos dizem deixar algumas roças paradas para o solo se recuperar.
"Antes trabalhava todo mundo junto. Nunca houve rivalidade. Nós acreditamos que foi um pessoal de fora que incitou o Pacoval", diz dona Nevita. Segundo ela, os problemas começaram depois da visita de pessoas de São Paulo e Belém.
Os dois lados descartam uma solução armada, mas também dizem não aceitar uma decisão contrária aos seus interesses. "Queremos a nossa terra, e é isso que esperamos do Incra", diz Pedroso. "A gente só sai se o governo indicar outra área e indenizar as famílias até que se instalem na nova terra", afirma dona Nevita.

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