São Paulo, segunda-feira, 25 de dezembro de 1995
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'Não adianta me pressionar', diz corregedor da Câmara

DENISE MADUEÑO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O corregedor da Câmara, deputado Beto Mansur (PPB-SP), pretende entregar à Mesa da Casa nos primeiros dias de janeiro o resultado da investigação sobre o envolvimento de parlamentares da CPI dos Bingos em extorsão.
O principal alvo das acusações é o deputado Marquinho Chedid (PSD-SP). Segundo donos de bingo de São Paulo, Chedid pediu e recebeu propinas em troca de um tratamento privilegiado pela Comissão Parlamentar de Inquérito.
O deputado Eurico Miranda (PPB-RJ), também citado pelos bingueiros, teria sugerido que Chedid poderia ajudar os donos de bingo na CPI.
Mansur espera a resposta do Ministério Público ao seu pedido de quebra do sigilo das contas telefônicas dos deputados.
O corregedor, responsável pela análise do comportamento dos parlamentares na Câmara, reconhece que há ação de pianistas (que votam pelos ausentes).
Leia a seguir trechos da entrevista concedida à Folha:

Folha - O que impediu a quebra de sigilo telefônico dos deputados acusados de extorsão?
Beto Mansur - A corregedoria não tem o poder de quebrar o sigilo de quem quer que seja. Só a Justiça ou a CPI. Eu tentei via CPI porque era mais rápido. A Câmara está perdendo com as suspeitas envolvendo deputados, está se desgastando junto à sociedade. Por isso procurei o caminho da CPI, o que infelizmente não foi possível.
Folha - Por quê?
Mansur - Em comum acordo com a comissão, decidimos pedir a quebra de todos os componentes da CPI, porque não queria prejulgar ninguém. Mas a comissão, no final da sessão, quando não havia mais quórum, votou um pedido atingindo apenas os parlamentares presentes. Marquinhos Chedid, principal suspeito, não quis votar.
Folha - Houve má vontade da CPI para aprovar a quebra?
Mansur - Acho que houve. A CPI poderia ter ajudado a corregedoria, poderia ter colaborado porque é um instrumento da Casa. O nome da Câmara está em jogo. Acho que a comissão não entendeu com profundidade a questão política que está nos envolvendo.
Folha - Há pressão para que a Câmara não apure a denúncia?
Mansur - Sim, havia uma pressão. Não diria pressão para que não investigue, mas pressão de parlamentares no sentido de que eu estaria errado pela maneira como estava agindo. Recebi críticas porque ouvi os depoimentos dos denunciantes na delegacia de São Paulo. São depoimentos fortes, a fita com gravações de diálogos é forte.
O presidente da Câmara, Luís Eduardo Magalhães, ficou preocupadíssimo com o que ouviu e viu. Ele está com o compromisso na investigação. Se eventualmente se descobrir que tem uma maçã podre no meio do cesto, vamos tirar a maçã podre.
Folha - A deputada Zulaiê Cobra (PSDB-SP), presidente da comissão, prejudicou o trabalho da corregedoria não votando seu pedido de quebra de sigilo?
Mansur - Não falei que a deputada prejudicou o trabalho. Falei de uma maneira geral que a CPI poderia ter nos ajudado a elucidar esse caso se tivesse votado isso. Infelizmente não votou. Disse que poderia ter ajudado e não ajudou.
Folha - Não colaborar não significa prejudicar?
Mansur - Sim, pode significar prejuízo. Nesse ponto, se ela não colaborou, ela prejudicou a Casa.
Folha - Há indícios que podem provocar um pedido de cassação de Marquinho Chedid?
Mansur - Não gostaria de comentar isso agora. Senti que a imprensa tratou o final da CPI dos Bingos como se a investigação sobre a suspeita de corrupção dos deputados tivesse acabado em pizza. A CPI acabou, mas a comissão especial continua trabalhando.
Folha - É comum a pressão de deputados sobre o corregedor?
Mansur - A pressão existe em qualquer cargo. O detalhe é se você absorve essa pressão e continua o seu trabalho ou não. Não adianta me pressionar.
Folha - Há como punir os parlamentares pianistas?
Mansur - Esse é um problema que envolve uma questão técnica. Quase pegamos um pianista outro dia. Quase. Há dois pontos fundamentais. Primeiro trocar o painel eletrônico, que custa muito caro. O deputado pode conhecer o código do outro, se quiser, vendo o código do vizinho durante a votação.
Se estou fora da Câmara e alguém quer me prejudicar, vota em meu nome para dizer que eu armei uma de pianista. Precisa trocar o equipamento de votação.
Folha - Quantas denúncias de pianista a corregedoria recebeu?
Mansur - Duas. Mas tem gente que diz que tem deputado votando por outro.
Folha - Como foi o caso do pianista que quase foi pego?
Mansur - No dia 30 de agosto a Mesa foi avisada que tinha deputado votando por outro. Como a sessão não tinha terminado, mandei abrir o computador e fiquei acompanhando a votação para ver quem estava registrando os votos.
Deixamos o computador aberto para checar o voto quando digitado. Como o parlamentar não estava no plenário, nós iríamos atrás para ver quem estava votando.
O voto foi registrado no posto avulso. Quando corremos para o local não conseguimos pegar o deputado. Ainda perguntei para as taquígrafas quem tinha registrado o voto, mas elas não lembravam.
Folha - Então existem pianistas, mas não há como pegá-los?
Mansur - Dá para pegar. Solução para isso existe. Filmar o plenário constantemente. Com a fita eu posso comparar a sequência dos votos que entraram no computador com a imagem dos deputados. O computador registra a hora, quem votou e onde votou. O presidente da Câmara sabe que precisamos trocar esse equipamento do painel.
Eu já propus que tivéssemos câmeras de vídeo para que a gente pudesse registrar a história do Congresso. Com essas imagens, eu poderia eventualmente pegar um pianista. Mas não colocaria a câmera para vigiar parlamentar. Outra solução seria trocar o painel, que é uma coisa caríssima.
Folha - Como seria?
Mansur - Mudaria esse sistema antigo, que funciona, mas é obsoleto. Poderia ser um cartão magnético.
Folha - Em abril alguém votou no lugar de Moises Lipnik (PTB-RR). Qual foi a solução para o caso?
Mansur - O deputado Lipnik estava viajando. Eu conferi com a Polícia Federal, com a companhia aérea. O detalhe é que Lipnik disse que estava aqui e teria votado.
Folha - Não pesou a hipótese de ele talvez querer acobertar quem votara por ele?
Mansur - Sim, mas ele me procurou e pediu desculpas. Disse que havia se enganado.
Folha - Uma pessoa se enganaria sobre estar viajando ou estar na Câmara?
Mansur - Não. Ele disse que se enganou na data. Alguém votou para ele, óbvio. Existe a possibilidade matemática de alguém ter digitado o código dele sem querer. Não ficou provado que ele pediu para alguém votar por ele.

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