São Paulo, segunda-feira, 25 de dezembro de 1995
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Documentos podem custar até US$ 3 mil

DENISE CHRISPIM MARIN
DE BUENOS AIRES

Despachantes ilegais atuam em Buenos Aires, prometem aos imigrantes acelerar os trâmites de regularização na Direção Nacional de Migrações e até mesmo retirar o DNI (Documento Nacional de Identificação) para eles.
A Folha se apresentou a dois deles. Identificou-se como uma brasileira cuja permanência na Argentina estava vencida, mas que trabalhava sem autorização do governo e desejava legalizar-se.
Um dos despachantes, o peruano Marco Ferrari, 30, afirmou ser capaz de conseguir um DNI legal em apenas uma semana. O custo seria de US$ 800.
Segundo Ferrari, seria necessário apenas apresentar a certidão de nascimento. Normalmente, os brasileiros devem ter documentos traduzidos para o espanhol, exame médico e contrato de trabalho.
Ferrari se caracterizou como um intermediário no processo. "Quem tira o documento é um funcionário da Direção Nacional de Migrações", afirmou. "Isso é ilegal. Se a polícia me pega eu vou em cana. Com você, a mesma coisa."
Ele disse que já atendeu milhares de peruanos e, recentemente, dois brasileiros. Também confessou que fez as tramitações para um chinês e que, nesse caso, o preço subiu para US$ 1.500.
Ficou indignado ao saber que outro despachante cobraria US$ 3 mil. "Querem te roubar", disse, em um cortiço na rua Bolívar, 1.327, bairro de San Telmo.
Outro peruano, Victor Castillo, 48, recebeu a Folha em um escritório na avenida Rivadávia 3.033, 6º andar, sala 49.
Mostrou três dedos ao ser perguntado quanto custaria seus serviços. "US$ 3.000", disse. "Para conseguir o documento é preciso pagar muita gente da imigração."
Para convencer a repórter de que o preço não era abusivo, comentou que o custo para coreanos e chineses é superior a US$ 8 mil.
Castillo afirmou que demoraria mais de seis meses para obter a DNI. Mas que, em quinze dias, conseguiria um certificado de residência temporária, com a qual se pode trabalhar, estudar e transitar pelo país.
Ao contrário de Ferrari, disse que seriam necessários todos os documentos exigidos pelo serviço de imigração e a tradução para o espanhol. Mas apontou certos atalhos para conseguir um deles, o passaporte brasileiro.
"Você vai a uma delegacia de polícia e declara que roubaram seu passaporte. Depois, vai ao consulado do Brasil e eles dão um novo, sem problemas", afirmou.
Outro problema solucionável seria a ausência de contrato de trabalho. "Conseguimos um, mas você vai ter de pagar."
O diretor da Direção Nacional de Migrações, Hugo Franco, afirmou à Folha que não reconhece denúncias contra seus funcionários antes que elas sejam apuradas.
Acrescentou que o organismo que dirige processou 42 falsos despachantes e que há orientação aos imigrantes para que não recorram a estes profissionais.
O padre Volmar Scaravelli, secretário-geral da Comissão Católica Argentina de Migrações, disse à Folha que pelo menos quatro peruanos constataram que seus DNIs estão em nome de outras pessoas.
São eles Oscar Antonio Lopez Medina (DNI 93.078.095), Isaak Guzman Rotela Cabrera (DNI 92.767.036), Teofila Diaz Ruiz Diaz (DNI 93.038.591) e Ramona Espínola Paredes (DNI 93.088.441). Todos residem em La Plata, capital da Província de Buenos Aires.
Eles foram regularizados na Argentina por intermédio da entidade católica em 1993. Haviam sido beneficiados pela extensão de uma anistia a imigrantes (decreto 1.033/92).
"Esse fato nos leva a supor que existam outros casos de fraude em documentação concedida a estrangeiros na Argentina", afirmou Scaravelli.
A constatação da irregularidade foi feita no momento em que os peruanos se apresentaram na Direção Nacional de Migrações para solicitar a renovação do certificado de residência temporária. O fato foi checado na tela do computador.
(DCM)

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