São Paulo, terça-feira, 26 de dezembro de 1995
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Militares tendem a formar uma casta

RUI NOGUEIRA
COORDENADOR DE PRODUÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Os militares podem virar uma casta. Dados de uma pesquisa inédita feita nas fichas de 2.678 aspirantes da Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), no Rio, mostram que oficiais já são recrutados em sua maioria (54%) entre as famílias de militares.
A pesquisa apresenta ainda outro perfil do Exército: a tendência a se aprofundar a diferença entre a visão do mundo dos militares e a dos paisanos. Foram as regras criadas a partir dos anos 70, por meio de portarias, avisos e leis, que transformaram a Aman em uma "reserva de mercado".
"Os critérios para ingresso na Aman evoluíram ao longo dos últimos 30 anos, numa relação inversa à do regime político: quanto mais o regime se abria, tanto mais as normas para ingresso na Aman estabeleciam critérios restritivos", diz o estudo de Ricardo Dalla Barba, coronel da reserva, aluno da UnB (Universidade de Brasília) e assessor da SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos).
A pesquisa, feita em julho de 93, faz parte da tese de mestrado de Dalla Barba. Ele pesquisou nove turmas da Aman, todas encerrando e começando uma década -anos 69, 70 e 71; 79, 80 e 81 e anos 89, 90 e 91.
A preocupação com a triagem ideológica passou a ter importância maior quanto menor passou a ser possibilidade de eliminar os "indesejáveis". Durante o regime militar, era possível usar o AI-5 para retirar dos quartéis os "suspeitos de desvios ideológicos".
Para diminuir os riscos, além da preferência pelos alunos oriundos dos colégios militares, o Exército tratou de aumentar o número desses colégios que ajudam a sistematizar a "mentalidade militar".
Nas últimas gestões foram criados os de Juiz de Fora (MG), Campo Grande (MS), Santa Maria (RS) e o de São Paulo, que entrará em fase de implantação em 96, em um total de 13.
O reforço na triagem é concluído pela obrigatoriedade de passar pela EsPCEx (Escola Preparatória de Cadetes de Campinas). Antes das normas restritivas, era possível a um aluno de um escola pública ou particular, desde que estivesse entre os três melhores classificados, ingressar na Aman sem concurso. Isso acabou. Quem aprova ou não para a Aman é a EsPCEx.
O número de cadetes filhos de militares ultrapassou o de filhos de civis na década de 80. De lá para cá, os dados mostram que esse recrutamento endógeno só fez crescer. Dos anos 40 ao início dos anos 90, os oficiais filhos de pais fardados cresceram duas vezes e meia -de 21% para 54%.
Proletarização
O estudo mostra que a "reserva de mercado" foi criada conscientemente e não preocupa a atual elite dirigente do Exército. Mas pelo menos um aspecto provoca debate: a proletarização econômica, por causa dos baixos salários e a proletarização social.
A proletarização social está exposta pelo crescimento do número de oficiais filhos de oficiais confrontado com o crescimento do número de oficiais filhos de praças (soldados, cabos e sargentos).
Em 90 os oficiais filhos de praças foram 40,18% dos aspirantes que ingressaram na Aman -os filhos de oficiais, apenas 13,89%.
Esse perfil é o resultado da fuga da classe média dos quartéis. A elite, entre as famílias militares, e o povo é que fazem carreira. Segundo Dalla Barba, sempre que melhoram as perspectivas econômicas do país, a classe média desinteressa-se pelos quartéis.
Quando o milagre econômico do regime militar se esgotou, no fim dos anos 70, e a crise se aprofundou, nos anos 80, os filhos de famílias com renda superior a 15 salários mínimos voltaram a procurar a academia. Nesses momentos, funciona a mística da segurança da carreira militar.
"As Forças Armadas perderam status econômico e estão se transformando em profissão de gente com vocação. A classe média não quer ir para um lugar com muito ônus e pouco bônus. Quando o país melhora economicamente, a classe média procura rendimentos rápidos", disse um oficial à Folha, assessor do ministro do Exército, Zenildo de Lucena, que não quer ser identificado.
Pelo ano 2010, quando devem assumir o comando do Exército os generais recrutados no início dos anos 70, a Força deve ser dirigida por um "general da plebe".

LEIA MAIS
Sobre proletarização das Forças Armadas às páginas 1-11 e 1-12

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