São Paulo, terça-feira, 26 de dezembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Os salários do Real

FERNANDO MONTERO; OSCAR FRICK

FERNANDO MONTERO e OSCAR FRICK
Dados sobre rendimentos do IBGE revelam ganho real de 17,6% entre setembro de 1995 e julho de 1994, mês da introdução do Real. A essa percentagem, pode-se adicionar 6% a 8% do fim do imposto inflacionário, chegando a um aumento próximo a 25%. O dado é significativo mesmo descontando o arrocho nos meses da URV.
Crescimento além da produtividade denota recuperação da participação da renda assalariada. Diante desse quadro de redistribuição -que deve ser preservado-, é necessário entender seus mecanismos. Identificam-se quatro, envolvendo transferência de renda do setor público para o privado; do setor agrícola para o setor urbano; da indústria e do varejo para o consumidor; e do setor exportador para o resto da sociedade.
Uma estimativa das transferências setoriais pode ser obtida a partir de alguns indicadores.
1. O setor público transferiu ao setor privado renda não-financeira equivalente a 5,6% do PIB: 2% em função do fim do imposto inflacionário e 3,6% em função da deterioração do orçamento primário. Parte importante foi para salários, de forma direta (funcionalismo e aposentadorias) ou indireta (preços públicos defasados e perda de receita inflacionária).
2. A queda de 15% a 20% da receita agrícola, associada à supersafra de 95 e à decorrente depressão nos preços, significou transferência direta de renda para o consumidor. Este fator talvez seja o mais importante na determinação da renda para quem a alimentação é parte substancial das despesas.
3. A indústria e o comércio reduziram margens face à maior concorrência doméstica e internacional. Novamente, o benefício ficou com os consumidores.
Para a indústria, a abertura comercial e a âncora cambial trouxeram uma concorrência externa feroz. A desaceleração da demanda verificada após junho, em mercados abarrotados de estoques, acelerou a redução de margens.
No caso do comércio, a explicação passa pela concorrência desatada por um consumidor que recuperou a noção de preços relativos e reage a eles.
4. A taxa de câmbio está presente em vários dos mecanismos discutidos acima. Há, entretanto, uma transferência direta de renda gerada pelo câmbio mais barato do exportador para os consumidores de bens e serviços importados.
Em resumo, os aumentos aos servidores públicos e aposentados, a concorrência nascida da estabilidade, a abertura, o câmbio barato e uma boa safra geraram importante redistribuição de renda. O papel da indexação salarial precisa ser interpretada à luz desses pontos.
A política salarial no Real contribuiu nos ganhos de rendimento ao reforçar o poder de barganha do trabalhador, transformando o salário real em piso da negociação.
Todavia, a indexação salarial duradoura é uma inconsistência numa estabilização ancorada no câmbio. Aumento salarial em dólar bate na competitividade e o que antes transformava-se em inflação, hoje resulta em desemprego e déficit comercial. Questionar o câmbio não resolve, a não ser que se negue seu papel como âncora.
No caso do setor público, os aumentos do funcionalismo e da Previdência contribuíram para o forte déficit fiscal.
Observa-se, assim, que a indexação atenta contra os dois desafios do Real, ou seja, recuperar competitividade internacional e o equilíbrio nas contas públicas.
Indexação de forma geral e irrestrita pode ser contraproducente se atentar contra a estabilidade que se mostrou eficaz na geração de ganhos salariais. As práticas de indexação podem levar a transitar caminhos do passado, pois estas primeiro definem um piso de reposição salarial e posteriormente um piso inflacionário.

FERNANDO MONTERO, 36, é consultor da MB Associados. OSCAR FRICK, 42, é economista sênior na BM&F.

Texto Anterior: Ação clandestina; Fora do programa; Caça-fantasmas; Em diligência; Ponta final; Ampliando as vagas; Ouro de Moscou
Próximo Texto: Os tolos, a teta e a filha do chupim
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.