São Paulo, terça-feira, 26 de dezembro de 1995
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Os tolos, a teta e a filha do chupim

ANTÔNIO PENTEADO MENDONÇA

Dizia Carlos Lacerda que o grande problema das ditaduras não está nos ditadores, mas nos fiscais de quarteirão. Muito mais terrível do que o mal causado por um grande ditador é o mal causado pelos pequenos beneficiários das estruturas maiores, que realmente detêm o poder. Esta máxima se aplica a todos os ramos da atividade humana, em todos os lugares do mundo, em todas as épocas.
No Brasil, curiosamente, o processo se agravou depois da volta à democracia. Apesar de o país haver reencontrado sua vocação democrática, suas diferentes estruturas continuam, na prática, amarradas a modelos arcaicos, onde os amigos dos fiscais de quarteirão prosseguem dividindo um bolo que nunca foi deles e que é pago por todos.
A atividade seguradora não é exceção. Ela também tem os seus cartoriozinhos e o mais caro é pago por todos os proprietários de veículos: o famigerado DPVAT. É um seguro obrigatório que não serve para quase nada, exceto para financiar uma enorme festa, da qual estão ausentes os legítimos interessados, os beneficiários das vítimas dos acidentes de trânsito que, dependendo do ano em que estas vítimas morreram, têm direito a indenizações que mal pagam a condução para recebê-las.
É uma vergonha. Fere frontalmente o espírito da lei que instituiu esse seguro e sequer exige culpa para o pagamento da indenização. Uma lei votada com o mais elevado senso social acabou distorcida. Os menos favorecidos na divisão do seu bolo, que deveriam ter seus problemas minimizados, foram transformados em vítimas.
Tirando estes, a teta é pródiga em gentilezas feitas com o dinheiro dos tolos, que são todos os proprietários de veículos terrestres, que, além de pagar um IPVA altíssimo, ainda são brindados com a obrigatoriedade de pagamento de um serviço que na maioria dos acidentes de trânsito não é acionado, principalmente porque os seus beneficiários, por falta de divulgação, nem sequer sabem que ele existe.
Em teoria, essa festa deveria gerar uma fatura de R$ 500 milhões por ano. Isso em teoria porque, na prática, o que se observou em 1995 foi uma quebra de mais ou menos 30% desse valor, levando as seguradoras a terem prejuízo. Não porque a sinistralidade seja alta, mas porque sua divisão privilegia os mais diversos amigos dos fiscais de quarteirão.
O primeiro e maior felizardo, que dá de cara uma mordida de 50% do total arrecadado, é a Previdência Social. Baseada na história de que são os hospitais públicos que atendem a maioria das vítimas do trânsito, ela fica com metade do bolo, inclusive da parte destinada aos mortos, que não são, nem nunca foram, atendidos por ela.
De qualquer forma, não cabe aqui discutir a ação dos grandes chupins. A proposta do artigo é dar uma passada rápida sobre a mais nefasta de todas as entidades que sugam essa pródiga teta.
O nome dela é Funenseg (Fundação Escola Nacional de Seguros). Pouca gente sabe que isso existe e menos gente ainda sabe que se trata de uma fundação criada com a finalidade de formar mão-de-obra especializada em seguros. As pessoas não sabem porque a Funenseg não conta.
A incompetência é tamanha que ela própria reconhece que, ao longo dos seus mais de 20 anos de vida, não treinou sequer 50 mil profissionais. Ou seja, de 1971, quando foi criada, até hoje, esta jóia da inutilidade e seus carrapatos não conseguiram, mesmo mordendo o DPVAT e sangrando os coitados que dependem de seus cursos, formar míseros 1.900 profissionais por ano, atuando em todo o Brasil.
Mas então o que faz a Funenseg? Ah, ela faz coisas de arrepiar. Recentemente ela patrocinou um evento importantíssimo, chamado "Seguro na Praia ou coisa que o valha. Identificar o resultado prático disto para o mercado segurador fica por conta das cartomantes, ou de seus técnicos que explicam tudo, menos como se faz seguro.
Ficando apenas na área de treinamento, quem no mercado de seguros conhece a maioria dos autores de suas apostilas? Pior do que isto, quais os critérios que levam a fundação a escolher seus professores? Eles não são submetidos a nenhum teste -quer de conhecimento, quer de capacitação didática-, mas são amigos dos fiscais de quarteirão e isso basta.
Mas ainda tem mais: boa parte do dinheiro que os tolos pagam é gasta com as andanças de seus chupinzinhos e de seus carrapatos pelo Brasil e pelo exterior sem que, até hoje, essas viagens tenham trazido algo de bom para o país.
Como contraponto a essa festa, o Sindicato dos Corretores de Seguros de São Paulo, numa parceria inteligente com o Sebrae, vai treinando mais e melhor, por menos de um terço do preço da Funenseg. A pergunta que fica é curta: qual o sentido dessa fundação, que, além de tudo, recebe dinheiro que não deveria ser dela?

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