São Paulo, terça-feira, 26 de dezembro de 1995
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Nunca foi tão fácil lançar um disco

ELVIS CESAR BONASSA
DA REPORTAGEM LOCAL

A produção de CDs independentes está mais fácil do que nunca. Com apenas R$ 5 mil, é possível pagar todos os custos de produção de mil discos, desde a gravação até a entrega dos CDs.
As gravações estão sendo feitas em pequenos estúdios, que muitas vezes funcionam na casa do próprio dono. São os "estúdios de garagem", legítimos sucessores das bandas de garagem dos anos 70.
A diferença é a qualidade. Mesmo instalados em pequenos espaços, esses estúdios têm condições de realizar trabalhos técnicos de qualidade profissional. Vantagem concedida pelo desenvolvimento tecnológico, que encolheu equipamentos no tamanho e no preço, mas aumentou a qualidade.
A montagem de um estúdio hoje, com condições suficientes para produzir um CD, custa em torno de R$ 30 mil (leia quadro ao lado). É o preço de um carro. Para ficar na comparação automobilística, um estúdio de R$ 30 mil pode ser equiparado aos modelos populares.
Equipamentos mais sofisticados e o uso de recursos extras podem elevar o gasto para R$ 100 mil ou mais -mas, nesse patamar, já se está falando de uma "ferrari testarossa" sonora.
Os estúdios populares podem cobrar mais barato pelos serviços. O Pró-Studio é um exemplo típico. Funciona nas dependências de empregada, reformadas para abrigá-lo, de um sobrado no Ipiranga.
Ali, Cássio Martim, 32, gravou 10 CDs para diversos grupos em 95 e produziu, ele mesmo, duas coletâneas, com um grupo por faixa. Os discos solo custaram em torno de R$ 5 mil para os artistas.
No caso das coletâneas, cada uma com 15 grupos, os custos foram rateados: R$ 600 por faixa. "Meu estúdio é digital, com 16 canais. A qualidade das gravações é de primeira", afirma.
Como a maioria dos estúdios de garagem, Cássio faz toda a gravação, até a produção da fita DAT (tipo adequado para registros destinados à produção de discos).
Essa fita é encaminhada para estúdios especializados em masterização (limpeza do som) e, dali, para a fábrica -as quatro principais hoje são a Sonopress, Microservice, Sony e Videolar.
Desde a entrada no estúdio até a entrega se passam de dois a três meses. O pagamento pode ser, por isso, parcelado. É uma prática de todos os estúdios.
Esse prazo vale para o primeiro semestre, época em que as grandes gravadoras não estão abarrotando a fabricação de CDs no país. Depois do meio do ano, começam a ser fabricados os grandes lançamentos comerciais, dificultando a agenda das fábricas.
O estúdio Spectrum, com 32 canais, cobra um pouco mais caro do que o Pró-Studio. Lá, mil CDs saem na faixa dos R$ 7 mil. A diferença é que os equipamentos têm mais recursos.
"A procura por produção de CDs tem aumentado bastante", diz Ítalo Robson Marchezini, 28, um dos sócios do Spectrum, criado há três anos. Como todos os estúdios, além de CDs o Spectrum produz jingles para rádios, vinhetas e outros trabalhos musicais.
As variações de preço não se devem somente à maior sofisticação dos equipamentos de gravação -o que no caso de grupos estreantes, com produção independente, acaba fazendo pouca diferença.
Num mesmo estúdio, os preços variam de acordo com o tamanho da banda e o tempo gasto na gravação. Os preços mais baixos levam em conta cerca de 80 a 100 horas de estúdio, cujo preço é calculado por hora, incluindo os trabalhos de mixagem.
É difícil fazer um CD com tempo de estúdio menor do que esse. Mesmo para ficar em 100 horas, é preciso que os músicos e vocalistas estejam bem ensaiados e cometam poucos erros.
Algumas bandas optam por fazer uma gravação "semi ao vivo" para encurtar o tempo de gravação. Entra todo mundo no estúdio, tocam todos juntos, com o vocal e é tudo gravado ao mesmo tempo.
A rigor, é mais aconselhável fazer a gravação por partes: primeiro a base (bateria e baixo), depois a cobertura (teclado, percussão, cordas, sopro) e por fim a voz.
O número de músicas não faz muita diferença. O importante é ficar no limite de 70 minutos de duração do CD. É o máximo que cabe, pelo menos com a tecnologia usada nas fábricas de disco.
Outro fator que influi no preço é o repertório. Se forem todas músicas inéditas, de autoria própria, não há problema. Mas se forem interpretadas músicas de outros autores, é preciso pagar direitos autorais.
Nesse caso, o gasto por faixa fica em torno de R$ 300 para músicas nacionais e R$ 1,5 mil para internacionais, numa tiragem de mil CDs. Isso quando é autorizada a gravação -muitos compositores consagrados não querem ter sua músicas registradas por cantores desconhecidos.
O desenvolvimento da tecnologia de gravação, com uso de computadores, pode dispensar até mesmo os músicos. Um teclado conectado ao computador é capaz de reproduzir todos os instrumentos.
O estúdio Móvel, que existe há nove anos, oferece esse trabalho, embora a maior parte dos cerca de mil discos que já produziu sejam feitos com gente mesmo.
"Como músico, somos até contrários a isso, mas a informática está tomando conta de tudo", diz Milton Aparecido Mastantuono, 40, dono do Móvel, onde trabalha completamente sozinho, junto aos equipamentos de 24 canais e o computador Pentium com 1 gigabyte e 16 mega de memória.
Milton fez 20 CDs em novembro. Grava muito trash e heavy metal, mas já identificou o crescimento de uma nova tendência, o gospel, na esteira do das igrejas evangélicas no Brasil.
Os discos evangélicos, e também os sertanejos, são responsáveis por ajudar na sobrevivência de um produto em extinção: o disco de vinil. Do estúdio Creative Sound, por exemplo, saíram, além de CDs, vinte desses bolachões.
"O vinil é o padrão para o tipo de público que eles atingem", diz Philip Colodetti, 23, dono do Sound. Com 32 canais para gravação digital e sala de masterização, o Sound cobra em torno de R$ 10 mil para entregar mil CDs. Para o vinil o preço é praticamente o mesmo.
Com público cativo, evangélicos e sertanejos não enfrentam o grande gargalo das produções independentes: a distribuição. Está fácil fazer um disco, mas a venda de mil discos, feita sem apoio de gravadoras, pode levar mais de uma ano.

Telefone de alguns estúdios em SP (DDD 011): Pró-Studio, 63-6515; Spectrum, 274-2184; Creative Sound, 246-1335; Móvel, 63-9759; Q-57, 241-9551; Anonimato, 826-9074

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