São Paulo, terça-feira, 26 de dezembro de 1995
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Justiça igual para todos

HÉLIO BICUDO

Foi sobremaneira alentador quando o presidente Fernando Henrique Cardoso, no seu discurso de 7 de setembro último, afirmou que a democracia tem como fundamento o respeito aos direitos humanos. E mais ainda quando premiou recentemente quantos se projetaram na defesa desses direitos. Lá estavam d. Paulo Evaristo, Gilberto Dimenstein, Caio Ferraz (da Casa da Paz de Vigário Geral), o Movimento Nacional das Meninas e Meninos de Rua e a promotora de Justiça Stella Kuhlmann.
Se a premiação de todos os agraciados reconhece, por si só, a relevância de uma atuação, o fato de se ter laureado a promotora Stella, que presta serviços junto à Justiça Militar da Polícia Militar paulista, é significativo.
Isto porque se constitui em clara manifestação do governo federal de aplausos ao trabalho de uma representante do Ministério Público na sua luta pela Justiça, não obstante os obstáculos que encontra para expandir esse mesmo trabalho no interior de um tribunal corporativo, cujas decisões objetivam, no seu conjunto, respaldar a ação violenta de membros da milícia.
O presidente da República, com essas atitudes, soma a sua voz às das entidades nacionais e internacionais que entendem não mais ser possível a manutenção de uma justiça especial para processar e julgar policiais militares no contexto de um Estado de Direito democrático.
E não só: porque fatos recentes confirmam o descompasso existente de uma "justiça que, ao punir, se empenha na impunidade, como aconteceu no homicídio da professora Adriana Caringe por um atirador de elite da PM; ou quando, pura e simplesmente, absolve, como na eliminação com tiros à queima-roupa de Pixote, o menino de rua que o cinema imortalizou e a polícia simplesmente matou.
Não é, por igual, de se esquecer o episódio, fartamente noticiado pela imprensa, do desaparecimento, na Justiça Militar de São Paulo, de quase uma centena de processos contra policiais militares. Isso vai determinar, ainda uma vez, a impunidade de quantos se beneficiarem com a ilicitude inusitada de um comportamento que se espera, no mínimo, seja apurado no que respeite às responsabilidades a ele inerentes.
Os fatos aí estão: denúncias de organizações nacionais e internacionais. Nesse sentido a Organização dos Estados Americanos (OEA) já se prepara para levar a julgamento pelo seu tribunal fatos apontados de negligência da Justiça Militar na apuração e punição de crimes de policiais militares.
O presidente da República distingue uma promotora de Justiça por um trabalho que vem desmascarando o corporativismo da Justiça Militar. A Comissão Parlamentar de Inquérito que, em 1991/92, investigou a eliminação de crianças e jovens no Brasil, concluiu pela responsabilidade por esse fato e em grande medida das PMs, como decorrência da impunidade constatada nos casos levados a conhecimento da Justiça Militar.
A esse tempo apresentou-se projeto que restabelecia antiga súmula do Supremo Tribunal Federal, impondo que os crimes praticados por oficiais e praças da PM contra civis nas suas funções de policiamento deveriam ser processados e julgados pela Justiça comum.
Esse projeto foi desfigurado por um substitutivo que não muda em nada o quadro atual, quadro esse que se agrava a cada instante, como já se demonstrou; pois as decisões ora apontadas são, pode-se dizer, destes dias. E o mesmo, relativamente ao sumiço de processos...
Vai daí que outro projeto, com a mesma amplitude contemplada naquela súmula, está a ponto de merecer aprovação da Câmara dos Deputados. Pois considerada de urgência a sua tramitação, com parecer favorável das Comissões de Defesa Nacional e de Constituição e Justiça, já foi discutido, restando apenas ser votado.
A expectativa é de que conste da pauta da convocação extraordinária, para que, nos primeiros dias de janeiro e até o final da convocação, seja votado e aprovado na Câmara e no Senado, passando à sanção presidencial para converter-se em lei.
As lideranças da Câmara estão conscientes da relevância do projeto e espera-se que o Senado tenha o mesmo entendimento, com o que estaremos dando passo importante na democratização das PMs e contribuindo de maneira significativa para o processo de democratização do Estado como um todo.

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