São Paulo, terça-feira, 26 de dezembro de 1995
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Os ricos, o IBGE e os números

FERNANDO RODRIGUES

Desde quando Betinho começou a sua campanha para combater a fome, uma obsessão antiga voltou a tomar conta dos jornalistas: descobrir o número exato de pobres ou miseráveis no país. Com variações entre 30 milhões e 50 milhões de pessoas, nunca se chegou a um consenso sobre o assunto. Ontem, a Folha estampou em manchete o número inverso: quantos são os ricos brasileiros.
Bem, ricos por assim dizer. É que, em 1991, apenas 2,25% dos chefes de família no país tinham renda superior a 20 salários mínimos, o equivalente, hoje, a R$ 2.000,00. Quem paga aluguel, escola dos filhos e sustenta uma casa sabe que esse valor não é exatamente uma pequena fortuna. Em números absolutos, os 2,25% representavam 779.995 pessoas em 1991. Aplicada a taxa de crescimento demográfico, de lá para cá, esses abastados brasileiros seriam, hoje, 833.034.
Dois aspectos são relevantes nesse número oficial. Primeiro, o número, que é estarrecedor e duvidoso. Depois, a sua divulgação mais do que tardia.
O chefe de família -ou de domicílio- é a pessoa que mais ganha na casa. Cada domicílio abriga, em média, 4,38 pessoas. Quer dizer, a maioria dos brasileiros mais bem de vida é composta por aqueles que, com pouco mais de R$ 2.000 por mês, sustentam uma família de quatro ou cinco pessoas.
Quando esse percentual começou a circular na Redação da Folha, antes do Natal, muitos jornalistas duvidaram do número divulgado pelo IBGE. Mas, ainda que a autarquia federal tenha errado feio -digamos, em 100%-, mesmo assim seriam só 4,50% dos chefes de família que ganhariam mais de R$ 2.000 por mês. Uma média baixíssima para um país que está entre as dez maiores economias do planeta.
Mas, concentração de renda à parte, problema tão sério quanto esse é a divulgação de um número apurado em 91 apenas em 95. A favor do IBGE tem que se dizer que o instituto se esforça. Os resultados parciais do Censo de 91 já estão disponíveis na Internet. Só que menos de 100 mil brasileiros têm acesso a essa rede pública de computadores.
Evidentemente, o IBGE também não faz cálculos. Divulga apenas o número absoluto dos chefes de família e suas rendas respectivas. Quem quiser, que calcule os percentuais. E uma comparação com o último Censo, de 80? Isso também não é possível. O IBGE não divulgou, até hoje, uma tabela com a renda média dos chefes de família brasileiros em 80. Só tem disponível uma tabela com a renda média dos domicílios -o que não permite comparação.
Desmontado durante o governo de Fernando Collor, o IBGE não tem prazo para divulgar integralmente o Censo de 91. Também não está nos planos da autarquia divulgar tabelas do ano de 80 que permitam uma comparação direta com os números de renda de 91. Há uma vaga promessa, apenas, de tornar pública em março de 96 a Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílios de... 92! Curiosamente, o IBGE encontra tempo para responder perguntas que vêm do exterior. Está lá, na Internet, uma resposta da autarquia para um engenheiro inglês, de Poole/Dorset, sobre quanto é a renda "per capita" nacional.
Uma das prioridades anunciadas do governo de Fernando Henrique Cardoso é combater a má distribuição de renda no país. Sem conhecê-la, exatamente, ficará difícil cumprir a promessa. Com o ritmo que o IBGE faz as suas pesquisas, já se sabe o final dessa ópera.

artigo de André Lara Resende, que escreve às terças-feiras nesta coluna.

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