São Paulo, quarta-feira, 27 de dezembro de 1995
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A denúncia do bispo

JANIO DE FREITAS

Enquanto os políticos em geral fingem que nada têm a ver com o bispo Edir Macedo, preferindo pastorear os seus votos futuros no eleitorado evangélico, cai também no fosso dos silêncios nacionais o que de mais grave existe no caso do bispo e seus comparsas. E não é a exploração da boa-fé, no que não fizeram senão adotar a prática mais difundida entre nós, em púlpitos e terreiros, mas também, ou sobretudo, na política, nos governos, no jornalismo, na propaganda, nas eleições, em tanta coisa mais.
A personalidade e os métodos de Edir Macedo não estão sendo revelados agora, por um dissidente que deixou de ser parceiro quando deveria incluir na parceria a própria mulher. Nem o foram quando se tornou proprietário de TV. Desde muito antes disso, reportagens e artigos vinham expondo o vertiginoso enriquecimento de Macedo, a extensão de sua máquina registradora a vários países, o caráter impostor dos seus cultos multitudinários e a exploração do desespero e da esperança.
Nada disso foi feito às escondidas. Edir Macedo não guardou nem uma dose mínima de pudor, para tornar menos ostensivos os métodos e a fortuna fácil. Que providência efetiva foi tomada pelo governos de ontem e de hoje? Como em todos os casos de enriquecimento vertiginoso, o acúmulo da riqueza faz as chamadas autoridades, no Brasil, se desinteressarem dos métodos de enriquecimento. Dado que não será o caso de Edir Macedo a mudar esta regra das elites brasileiras, por este lado o escândalo do bispo não oferece contribuição alguma.
Há, porém, outra pergunta pertinente. Perdão, impertinente. Como foi possível que Edir Macedo se tornasse dono, quando já bem conhecidas as suas atividades, de uma concessão para explorar instrumento tão poderoso como uma rede de televisão? No âmbito das formalidades, da mesma maneira que todos os demais detentores deste patrimônio público que são os canais de TV. Se há a diferença de que alguns o compraram e outros o receberam gratuitamente do poderoso do dia, todas as concessões foram igualmente consagradas pelo governo federal e referendadas pelo Congresso, no ato de doação, de compra ou de renovação periódica.
O escândalo do bispo denuncia, mais do que tudo, o ainda mais escandaloso processo de concessão e renovação de canais de TV. Para possuir um ou muitos, não há mais exigências do que certo tipo de relações políticas ou dinheiro para a compra de quem recebeu de graça. Não há exigências de ordem moral, profissional, cultural ou social. Nas concessões iniciais, não é exigida nem ao menos a capacidade financeira para instalar a emissora, daí resultando que muitas tiveram e têm a finalidade única de proporcionar, pela venda do canal ou de sociedade nela, o súbito enriquecimento de ocasião.
A verdadeira denúncia contida no escândalo do bispo recai sobre o Ministério das Comunicações. A proclamada disposição do ministro Sérgio Motta de cassar o canal do bispo, se comprovadas as ilegalidades atribuídas a Macedo, não passa de encobrimento protetor de toda a ilegitimidade do sistema que permitiu, e continuará permitindo, a exploração de TVs por edires macedos de agora ou de amanhã, da religião ou do que mais possa ser.
Em vez de ter como ocupação exclusiva os negócios da privatização das telecomunicações, Sérgio Motta deveria substituir esta masturbação comercial por estudos e projetos que exigissem alguma dignidade dos processos de concessão, renovação e exploração de TV e rádio. O escândalo do bispo o denuncia mais do que ao bispo.

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